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Notícias / Goioerê Miguel Davi ajudou gente sem olhar para trás

quarta-feira, 9 dezembro de 2020.

Pioneiro de Goioerê, hoje radicado em Campo Mourão, Miguel Davi foi alvo de uma  matéria do jornalista Dilmércio Daleffe, do jornal Tribuna do Interior, relatando sua trajetória de vida

Miguel já foi um pouco de tudo na vida. Mas, grande parte do tempo, passou mesmo atrás de um microfone. Foi radialista por 25 anos em Goioerê. Um tempo saudoso, quando conseguiu ajudar muita gente. Entre pessoas ainda desconhecidas, a dupla Milionário e José Rico. E, num simples pedido de ajuda, Miguel estendeu as duas mãos, pernas, mente, e um pedaço do bolso. Deu certo. Passados alguns meses, os sertanejos conquistaram o país.

 

O hoje aposentado Miguel David Bento, está com 81 anos. Mora ao lado da filha, numa boa casa próximo ao Country Club de Campo Mourão. Nem mesmo o tempo foi capaz de apagar sua jovialidade. Com sorriso fácil, olhos azuis, o sujeito aparenta ter não mais que 65. Fruto de uma personalidade perspicaz e sempre pronta a ajudar o próximo. Casou cedo com Maria, ainda nas terras mineiras de Nova Rezende. Mas quis o destino, que a companheira o deixasse antes do tempo. Morreu em 2015, após problemas cardíacos.

Miguel veio das Minas Gerais ainda na década de 60. Chegou em Paraná do Oeste, distrito de Moreira Sales, pronto a montar uma sala de cinema. Mas a coisa não foi muito bem. A localidade nem mesmo tinha energia elétrica. O cinema teve que ser movido a um motor. Quase sempre, dava problemas, principalmente, em meio a exibição dos filmes. O “trem” começou a desandar. Sem clientes, Miguel ficou sem dinheiro. Uma época ruim até de lembrar. Mesmo assim, a comunidade o ajudou. Ganhava alimentos e, rotineiramente, uma palavra de esperança.

Miguel Davi com a equipe da Rádio Goioerê

Sempre católico, Miguel ficou amigo de um padre de Goioerê: Luiz de Paólis – morto em um acidente de carro. Então, vendo o drama pelo qual passava, recebeu o convite para tentar uma vaga na Rádio Goioerê, antes, na frequência AM. Fez o teste, foi aprovado. Não parou mais. Com uma voz média,

Milionário e José Rico Era década de 70, quando dois rapazes batem à porta da rádio. Miguel estava em meio a programação. Tudo ao vivo, como manda o figurino. Se apresentaram e disseram precisar de ajuda. Dentro da rádio, os dois homens carregavam os violões. E um disco de vinil. Disseram que haviam gravado as próprias composições. Mas não conseguiam ser ouvidos. Miguel, então os convidou a uma entrevista ao vivo. Em meio à boa prosa, tocou a música “Coração de Pobre”. O resultado foi um só: chuva de telefonemas. “As pessoas não paravam de ligar. Queriam saber quem tocava aquela música”, lembra Miguel. Vendo o índice de audiência crescer, tocou a segunda faixa. E os telefonemas aumentaram.

O radialista sabia ali, naquele momento, que estava diante de uma descoberta. Os caras eram bons. Apenas o nome não fazia jus a realidade. Afinal, de Milionário e Rico, nada tinham. Então, os levou à praça local, quando tocaram aos populares. Em seguida, Miguel instalou a dupla em uma pensão da cidade. E pagou a diária. Noutro dia, iniciou a ajuda a dupla. Muitas lojas pagaram para que cantassem. O negócio deu tão certo que, quando viram, já haviam alugado uma casa em Goioerê. “Eles passaram seis meses na cidade. Alugaram uma casa e trouxeram as esposas”, lembra ele.

Mas, mesmo fazendo sucesso local, Miguel sabia que o futuro aos dois não era ali. Principalmente, pelo potencial que tinham. “Disse a eles que não poderiam ficar cantando de graça, como o galo faz”, disse. Então, um dia, Miguel ligou para conhecidos na Rádio Record, em São Paulo. Informou sobre a dupla e os mandou com fortes referências à capital paulista. Passados alguns meses, Milionário e José Rico se transformaram numa das melhores duplas do Brasil. Olhando ao passado, Miguel nada ganhou com isso. A não ser, satisfação. E uma estrela a mais na alma. Virtudes não são para qualquer um.

Miguel Miguel trabalhou na rádio por 25 anos. Em 1991, decidiu deixá-la. Ele também possuía uma eletrônica na cidade. Ficou apenas com a loja. Com o tempo, teve quatro filhos. E, quase no final dos anos 90, mudou-se a Campo Mourão. Alugou uma casa e criou toda a sua prole. Sempre foi um jovem. O sorriso mostra. Tem alegria em viver. Miguel é um sujeito carismático. Conquista apenas com a prosa. E falando nela, como ele gosta de conversar.

Entre 2001 e 2003, recebeu uma proposta de um cunhado, João Ribeiro Bueno. Aceitou. E foi para São José dos Campos, em São Paulo. Lá, trabalhou na venda de derivados de milho verde. Em 2004 retornou a Campo Mourão. Permaneceu até 2006, quando voltou a São Paulo, para fazer a mesma coisa. Entre idas e vindas, o coração falou mais alto. E a saudade ditou o destino: não sair mais ao lado da família.

Em 2013, em Campo Mourão, a dona da casa que alugava a vendeu. Então teve que procurar outra. Mas a filha não deixou. E levou os pais a morar com ela. O casal permaneceu na residência até 2015, época em que Maria morreu. Mesmo após o falecimento, Miguel continua na casa. E foi neste mesmo ano que ele descobriu um câncer de pele no pé esquerdo. Fez cirurgia e o membro até melhorou. Embora a cicatriz jamais tenha se fechado por inteiro. Recentemente, o pé voltou a dar trabalho. Mas buscou um médico e já está se recuperando.

Miguel sempre foi trabalhador. Um homem ativo. E mesmo aposentado, fica irritado em não poder trabalhar. É que, desde janeiro, além do problema do pé, surgiu a pandemia. Teve que adiar o extra que fazia vendendo churros frente ao Centro Social Urbano. Na verdade, começou com o carrinho em 2009. Ficava no antigo Shopping Mourão. Mas desde o seu fechamento, por volta de 2015, passou a vender o doce próximo a sua residência. Não ganhava muito. Mas o suficiente para levar a vida através do trabalho.

O sujeito conta que começou a trabalhar ainda aos dez anos. Vindo de uma família extremamente carente, teve o primeiro emprego bastante jovem. Em Nova Rezende, trabalhou como ajudante de um japonês verdureiro. O pai trabalhava na construção civil. Mais tarde, passou a ajudá-los nas obras. Já, aos 20 e poucos, atuou como carcereiro da delegacia da cidade mineira. Permaneceu até depois das eleições municipais. Foi quando o candidato vencedor, optou em tirá-lo.

E o homem não para. Até hoje, é ele quem cuida do canteiro em frente a sua casa. Conta que, ainda ao lado da esposa, a acompanhava no plantio de mudas do canteiro. Uma espécie de pracinha onde é realizada a feirinha. “Ela tinha paixão por plantas. Desde que morreu, eu continuo cortando a grama e podando as plantas do canteiro”, revela. As tralhas que utiliza ficam no porta malas do carro. Para não atrapalhar a garagem da filha.

Extremamente católico, Miguel vai todos os dias à igreja. Mesmo no grupo de risco, coloca a sua máscara e segue os rituais. Ele não fuma desde a adolescência. Foi quando se aventurou no tabaco. Mas descoberto pela professora, teve que mastigar o cigarro e engoli-lo. Vomitou por horas. Nunca mais quis um trago sequer. Também parou com o álcool. Hoje, estar ao lado de Deus, para ele, não é uma opção, mas sim, uma paixão. Uma espécie de vício, sem cura ou remédios.

Há sete anos, Miguel faz uma hora por dia, as segundas feiras, um programa na Rádio Colméia: “Jesus Vive e é o Senhor”. O programa vai ao ar das 20 às 21h. Relata palavras de Deus. Na verdade, uma reflexão ao público católico. Trabalha como voluntário. Jamais cobrou por isso. Encara como uma espécie de missão

Hoje, morando ao lado da filha, ele não está sozinho. Mas se sente desolado por não poder trabalhar. Uma forma de solidão laboral. E, enquanto os dias se passam, sente que a vida – frente ao vírus – se transformou em algo misterioso. Um quanto gelada. Sem sabor. Mas ainda assim, Miguel solta o sorriso gostoso de ver. A fé, ele não perde. (Reportagem: Dilmércio Daleffe, Tribuna do Interior)

 

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