“Jovem é atacada por homem e fica ferida enquanto praticava exercícios físicos”. “Mulher cai de bicicleta após homem em carro passar a mão no corpo dela”. “40% das mulheres dizem que já foram xingadas ou ouviram gritos em ambiente de trabalho”. Apesar de parecerem absurdas, essas foram manchetes recentes de matérias jornalísticas na imprensa nacional e retratam fatos que ainda ocorrem no país. Com o objetivo de debater tal realidade e mobilizar a sociedade para uma mudança deste cenário, teve início no último dia 25 de novembro a campanha internacional “16 Dias de Ativismo: pelo fim da violência contra as mulheres”. A propósito, a fim de contribuir com as discussões, o Ministério Público do Paraná destaca algumas inovações legislativas e iniciativas institucionais voltadas ao enfrentamento desse grave problema social.
Clique aqui e receba as notícias de Goioerê e região em primeira mão
“Campanhas como essa são oportunidades para a população refletir sobre uma violência inaceitável a que ainda hoje são submetidas as mulheres em todo o mundo e de maneira mais significativa em nosso país. Em nosso processo civilizatório já tivemos muitos avanços no sentido da almejada igualdade de gênero e superação da violência, mas ainda há muito a ser feito para que essa luta deixe de ser somente das mulheres e seja uma pauta de toda a sociedade”, destacou o procurador de Justiça Olympio de Sá Sotto Maior Neto, coordenador do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Proteção aos Direitos Humanos do MPPR.
Os desafios mencionados pelo procurador de Justiça são traduzidos em números. De acordo com o levantamento “Percepções da população brasileira sobre feminicídio”, do Instituto Patrícia Galvão e Locomotiva, divulgado em 23 de novembro, 57% da população conhece alguma mulher que foi vítima de ameaça de morte pelo atual ou ex-parceiro e 37% conhecem uma mulher que sofreu tentativa ou foi vítima de feminicídio íntimo (quando o crime ocorre dentro de casa). Mais: para 9 em cada 10 casos, o local de maior risco de assassinato de mulheres é dentro de casa, por um parceiro ou ex-companheiro.
Avanços legislativos – A despeito desses dados, algumas alterações legislativas debatidas e aprovadas neste ano podem permitir avanços importante no tratamento dos casos de violência contra a mulher, sendo a mais recente delas a sanção da chamada “Lei Mari Ferrer” (Lei 14.245/2021), que proíbe que vítimas de crimes sexuais e testemunhas sejam constrangidas durante audiências e julgamentos. Elaborada a partir de provocação do Ministério Público brasileiro, no contexto de um caso específico em que a vítima foi constrangida pelo advogado de defesa durante uma audiência, a lei assegura que não haja uma “revitimização” da mulher no curso dos processos na justiça. “O direito à ‘dignidade processual’ é uma conquista muito importante para mulheres vítimas de crimes e que, muitas vezes, em que pese já terem sofrido diferentes forma de violência, ainda têm sua vida e intimidade expostas de forma abusiva e desnecessária”, avalia a promotora de Justiça Ana Carolina Pinto Franceschi, coordenadora do Núcleo de Promoção da Igualdade de Gênero (Nupige), unidade do MPPR vinculada ao Caop de Direitos Humanos e que atua fornecendo subsídios e orientações para a atuação na área por promotores e promotoras de Justiça em todo o estado. A partir de protocolos desenvolvidos por equipe especializada, o Nupige dedica-se a garantir suporte e aprimorar a atuação institucional voltada à responsabilização dos autores de violência doméstica e familiar, bem como às iniciativas que buscam a prevenção da ocorrência de novos crimes, como a reeducação e recuperação de homens autores dessas violências.
Outra importante alteração legislativa diz respeito à inclusão no Código Penal do crime de violência psicológica contra a mulher (Lei 14.188/2021), o que assegura que práticas como ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, chantagem, ridicularização, limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro método relacionado seja tipificado como crime, com penas de seis meses a dois anos, além de multa. Outro tipo de manifestação de violência que foi objeto de apreciação legislativa foi a política: a Lei 14.192/2021 prevê a punição para os casos de discriminação e desigualdade de tratamento por gênero ou raça em todas as instâncias de representação política e no exercício de funções públicas. Na prática, assediar, humilhar, perseguir ou ameaçar mulheres, seja em campanhas políticas ou no exercício de mandatos eletivos, passou a ser considerado crime, com pena prevista de um a quatro anos de prisão.
Além da esfera criminal, no âmbito da educação e da prevenção à violência foram instituídas alterações significativas. A Lei 14.164/2021, por exemplo, passou a prever a inclusão de conteúdo sobre a prevenção da violência contra a mulher nos currículos da educação básica e instituiu a Semana Escolar de Combate à Violência contra a Mulher. No estado do Paraná, desde maio está em vigência o Programa de Cooperação e Código Sinal Vermelho no Paraná (Lei 20.595/2021), que busca criar mecanismos seguros para que mulheres em situação de violência doméstica ou familiar possam denunciar a condição em que estão pedindo socorro em estabelecimentos públicos ou privados.
Novo protocolo – Também neste ano, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) lançou protocolo específico para o julgamento de casos com perspectiva de gênero. Resultado de estudos desenvolvidos por grupo de trabalho específico e a partir da constatação do aumento de ocorrências de violência de gênero no Brasil, o documento deve servir como orientação aos integrantes do sistema de justiça, notadamente do Poder Judiciário, na realização de julgamentos. As novas diretrizes buscam garantir maior equidade no tratamento entre homens e mulheres. “No curso da história, vemos muitos avanços no que diz respeito à conquista de direitos, e cabe a nós, também, Ministério Público, enquanto instituição fiscal da lei, zelar para que os dispositivos internacionais, constitucionais e legais sejam plenamente efetivados, levando em consideração, sobretudo, a perspectiva de gênero na atuação ministerial”, concluiu Ana Carolina Pinto Franceschi (confira aqui matéria relacionada).
Mobilização – A campanha “16 Dias de Ativismo: pelo fim da violência contra mulheres” tem início em todo o mundo no dia 25 de novembro, data que marca o Dia Internacional da Não Violência contra as Mulheres, e termina em 10 de dezembro, no Dia Internacional dos Direitos Humanos.