João e Linda estavam em casa no último sábado. Uma residência em alvenaria na zona rural de Mariluz. Ela fazia seus afazeres domésticos. João carpia o mato próximo a cerca. Às margens da rodovia, numa comunidade conhecida como Olarias. Casados, cuidavam dos quatro netos. Eles brincavam no quintal espaçoso. Corriam. Pulavam. Chutavam bola.
Mas ali, numa fração de segundos, o menino J, de nove anos, adentrou a casa. Subiu numa cadeira. Queria encontrar um brinquedo sobre o guarda-roupas. Encontrou uma velha espingarda. Curioso, a pegou. Foi mostrar a irmã e aos primos. A arma disparou. Acertou o lado esquerdo de Malory, a irmã de sete anos.
Com o estampido, João largou a enxada e correu até a casa. Encontrou os quatro netos desesperados. Enquanto os três gritavam, Malory sangrava pelo nariz. Os outros três diziam que ela havia sido atingida. João buscava o ferimento. Mas nada identificava. A menina desmaiou sobre os seus braços. Uma correria teve início. A menina foi colocada no carro e levada às pressas até o pronto atendimento de Mariluz. Em vão. Ela não suportou o ferimento. Morreu em seguida.
TRISTEZA DO AVÔ. João da Cruz de Oliveira, o avô, tem 56 anos. Está desorientado. Conversa olhando aos lados. Numa tristeza profunda. Ele não queria que isso acontecesse. Mas quis o destino que o neto encontrasse a espingarda. E ela estava carregada. “Eu nunca deixava ela carregada. Mas esses dias uns gaviões começaram a rondar o galinheiro. A carreguei para espantá-los. E esqueci de retirar a munição”, disse. Ele deixou a neta morta no atendimento médico. Em seguida, foi até a delegacia. Recebeu voz de prisão. Foi detido. Não pode ir nem ao enterro da menina. De acordo com Isaías Cordeiro de Lima, delegado de polícia, ele irá responder por posse de arma e omissão de cautela.
O avô é um sujeito bastante simples. Tem o apelido de João Batata. Ganha a vida fazendo bicos por propriedades rurais vizinhas. Ele sente calado a tragédia que abalou toda a família. Não bastasse tanto sofrimento, boatos de um possível abuso sexual terminaram por derrubá-lo. “Estou sendo acusado de homicídio e de estuprador. Não sei onde isso vai parar”, disse João, transtornado. A polícia afirmou que não existe a possibilidade de abusos no corpo de Malory. “Não sabemos de onde saíram esses boatos”, revelou o delegado Isaías.
Linda Mara é a avó. Segundo ela, não tem mais lágrimas para despejar. Está sem chão. Esta é a segunda tragédia da família. Tudo em menos de um ano e quatro meses. Nesse período perdeu um filho. Uma nora. Um neto. Conta que em 18 de janeiro de 2019, um acidente na rodovia entre Mariluz e Umuarama, levou os três. Jhoni, o filho, tinha 28 anos e voltava com a esposa, Juliana. Ela estava grávida de 8 meses. O carro rodou na pista. Bateu contra outro que vinha no sentido contrário. Numa fração de segundos, uma família inteira morta.
Linda e João são evangélicos. Não são ricos. Ao contrário. João vive de diárias na lavoura. Vivem numa propriedade rural da irmã da esposa. Ao lado da casa, uma pequena igreja azul. À frente, do lado de lá da rodovia, mais uma igrejinha. Um local tranquilo. Cheio de paz. De orações.
No dia da morte da menina, as duas crianças foram apanhadas na cidade. Na casa dos outros avós. E levadas até a casa de João e Linda. Era quase meio dia quando chegaram ao sítio. Linda fez o almoço. Todos comeram. Em seguida foram brincar com outros dois primos. Brincadeiras inofensivas. Saudáveis. Os avós faziam tarefas básicas. Mas sempre de olho nos netos. Por volta das 15h um estampido. Uma nova tragédia.
Malory tinha apenas sete anos. Meiga. Falante. Gostava de dançar. Dizia que queria ser bailarina. Mas foi cedo demais. Nem mesmo os sonhos puderam ser imaginados. No quintal da casa dos avós ainda estão as pequenas bonequinhas que lá deixou. Assim como as marcas de sangue do ferimento. Tudo ainda está lá. Só não estão o sorriso e a presença da menina. Uma garota inofensiva. Um anjo. Que gostava de colocar seus vestidinhos. Que gostava de dançar. O quintal agora está sem alma. Sem alegria. Assim como os corações de toda a família. (Por Dilmércio Daleffe, Tribuna do Interior).