Mais de 60 frigoríficos em 11 estados do país estão na mira do Ministério Público do Trabalho (MPT), que vai avaliar as condições de trabalho nestes locais durante a pandemia do novo coronavírus. O levantamento dos números foi feito a pedido do G1.
Considerado serviço essencial, o setor de carnes não parou as atividades em meio às medidas de isolamento social impostas por estados e municípios e costuma ter aglomeração de pessoas na linha de produção. Com isso, há a preocupação de que a Covid-19 possa se espalhar entre esses profissionais.
A continuidade da produção de alimentos foi um pedido do Ministério da Agricultura ao governo para que o abastecimento do país não fosse comprometido, bem como as exportações do setor, que trazem bilhões de dólares para o país.
Nos Estados Unidos, os frigoríficos se tornaram um dos focos da doença. Cerca de 20 unidades do país tiveram de paralisar suas operações, o que fez o presidente Donald Trump acionar uma lei de guerra para que as empresas voltassem a funcionar (leia mais abaixo).
Segundo apuração do G1, pelo menos 17 frigoríficos tiveram funcionários que testaram positivo para o coronavírus, porém não é possível afirmar se eles se contaminaram dentro dessas empresas. Também não se pode dizer se essas unidades são as mesmas investigadas pelo MPT, porque partes das investigações são sigilosas.
“Há uma imensa preocupação do MPT com os trabalhadores de frigoríficos diante das características científicas evidenciadas da forma do contágio e da realidade de como é exercido o trabalho no setor”, explica o procurador Lincoln Cordeiro.
A preocupação dos procuradores deve-se ao fato de que centenas de trabalhadores dessas empresas costumam ficar aglomerados nas linhas de produção e em outros ambientes da unidade, o que facilitaria a propagação da doença no caso de haver alguém contaminado.
São 145 procedimentos –surgidos a partir de denúncias ou de iniciativa dos próprios procuradores – que envolvem inquéritos civis, preparação e investigações, dentre outras ações.
O G1 procurou a Confederação Nacional dos Trabalhadores nas Indústrias de Alimentação e Afins (CNTA) e a Confederação dos Trabalhadores da Alimentação (Contac), que representam os trabalhadores de frigoríficos, mas não obteve resposta até a publicação do texto.
As associações dos frigoríficos do setor afirmaram ao G1 que estão tomando todas as medidas de segurança estabelecidas pelas autoridades de saúde (leia mais abaixo).
Segundo a Procuradoria-Geral do Trabalho (PGT), o MPT irá verificar as condições de trabalho em plantas localizadas em São Paulo, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Paraná, Tocantins, Santa Catarina, Rondônia, Goiás, Rio Grande do Norte, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul.
Covid-19 em frigoríficos do país
A situação mais grave registrada até agora é no Rio Grande do Sul. Cerca de 16.345 pessoas que trabalham nessas instalações foram potencialmente expostas ao vírus, de acordo com o governo estadual.
Há pelo menos 120 casos confirmados da doença entre funcionários de frigoríficos do estado, sendo que ao menos uma pessoa morreu em decorrência da Covid-19, segundo a Secretaria da Saúde do Rio Grande do Sul.
Também foram registrados aos menos seis “óbitos secundários” relacionados aos funcionários dos frigoríficos, ou seja, mortes de pessoas que tiveram contato domiciliar com os trabalhadores.
Autoridades de saúde do estado afirmam que o novo coronavírus se espalhou por nove unidades de processamento de carnes, mas não listou quais são as companhias ou unidades afetadas pelo surto.
Uma unidade da JBS foi interditada em Passo Fundo no dia 24 de abril por causa da doença, e a estimativa é de que mais de 60 pessoas foram contaminadas.
A empresa conseguiu na Justiça do Trabalho autorização para que a unidade voltasse a funcionar, mas, na quinta-feira (7), a Prefeitura da cidade prorrogou a interdição por mais 15 dias.
O Ministério Público gaúcho também pediu interdição por 15 dias de dois frigoríficos em Lajeado, das empresas Minuano e BRF, devido ao número de casos da Covid-19.
A Justiça do Trabalho decidiu nesta sexta-feira (8) interditar a unidade da BRF na cidade por 15 dias. A empresa disse que segue as orientações das autoridades de saúde e que irá recorrer.
“A Companhia vê com extrema preocupação esta decisão, uma vez que está cumprindo todas as medidas protetivas e protocolos indicados pela Organização Mundial da Saúde (OMS), Ministério da Saúde, especialistas e autoridades para garantir a saúde e segurança de seus colaboradores.”
No município de Marau, a BRF decidiu afastar os funcionários com mais de 60 anos e também as gestantes – medida que também foi adotada em todas as unidades da empresa no país.
Pelo menos 18 trabalhadores foram infectados pelo coronavírus no frigorífico de Marau.
Há uma empresa no próprio município e outra na vizinha Ipumirim. Além disso, o MPT-SC investiga casos confirmados em funcionários de duas empresas de Chapecó.
Em Nova Veneza, um sindicato tentou interditar um abatedouro da JBS, mas a Justiça entendeu que a empresa está seguindo as orientações das autoridades. Na unidade, pelo menos dois funcionários testaram positivo para coronavírus.
No Tocantins, o município de Araguaína tem três unidades de processamento de carnes. Segundo apuração do G1, a cidade superou a capital Palmas no número de casos de Covid-19.
A capital havia registrado 124 casos nesta quarta-feira (7), enquanto Araguaína tem 163 casos confirmados. A diferença é que Palmas tem quase 300 mil pessoas e o município do interior 180 mil habitantes.
Na Paraíba, mais da metade dos casos confirmados da Covid-19 na cidade de Guarabira surgiram na mesma empresa, a avícola Guaraves, de acordo com a Secretaria Municipal de Saúde.
“As indústrias de abate e processamento de carne têm por característica a presença de centenas de empregados em um único estabelecimento, alguns setores [das unidades] com bastante umidade e com diversos postos de trabalho sem o distanciamento mínimo de segurança”, continua o procurador o procurador Lincoln Cordeiro.
O MPT quer garantir que sejam implementadas todas as orientações das autoridades de saúde.
“Em especial, nas hipóteses de confirmação de contágio, [quais] as medidas que são adotadas pela empresa para se evitar a disseminação do vírus entre os demais trabalhadores”, diz Cordeiro.
“Não há prazo específico para o fim de uma investigação, mas (temos ciência) de que as medidas necessitam ser efetivadas com a celeridade que a situação do risco do contágio do vírus requer”, completa o procurador. (G1)