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‘’COMO TRATAR O DEFICIENTE?’’ PELO NOME, QUE TAL?

domingo, 4 dezembro de 2016.

respeitp

 

          Como todos (ou a maioria de meus leitores) sabem, eu sou cadeirante e tenho outros problemas físicos associados à coordenação motora. Nessa condição, muitas vezes me foi feita a pergunta “Como tratar o deficiente?’’, e ela sempre me constrangeu. Não por me sentir ofendido por ela ou por qualquer outro motivo que não seja minha total incapacidade de respondê-la. Sim, eu me sinto incapaz para isso e acredito que qualquer pessoa (deficiente ou não) também o seja.  Por quê?
Pela própria subjetividade humana, cada pessoa deficiente tem maneiras diferentes de compreender sua condição, de modo que dar uma resposta instrucional sobre como tratá-las, mesmo sendo eu um portador de uma deficiência, seria extremamente arrogante e prepotente da minha parte me atrever a falar sobre como tratar grupos de pessoas que, no Brasil, por exemplo, representam 6,2% da população, pessoas com visões de mundo e formas de lidar com sua condição muito próprias, e, por isso mesmo, tão heterogêneas.
Quem sou eu para ser categórico em responder isso ou aquilo e me arrogar o direito ou a prerrogativa de dizer como devem ser tratadas  milhões de pessoas,  se essa resposta é individual e pessoal? Claro que qualquer opinião por mim emitida teria como ponto de referência minhas percepções acerca da minha realidade, que não é a mesma e talvez nem mesmo parecida com a de outras pessoas. Mas vou tentar fazer algumas reflexões a respeito.
Para início de conversa, devemos partir de uma premissa tão básica quanto óbvia: pessoas com deficiência são, antes de tudo, pessoas. Note que na frase “pessoa com deficiência’’ a palavra “deficiência’’ faz parte de uma locução adjetiva, tendo, portanto, o valor de um adjetivo, indicando uma entre as muitas características que a pessoa pode ter, que vão muito além dessa, que obviamente não é a principal. Já em “o deficiente’’, a palavra “deficiente’’ é um substantivo e, como tal, evidencia a substância do ser, a essência, assumindo a função sintática que na frase anterior é da palavra “pessoa’’.
Ou seja, ao se substituir o substantivo “pessoa’’ por outro, “deficiente’’, mesmo que não se perceba, remete-se à ideia de que a deficiência é a essência do indivíduo,  sendo, assim, sua mais importante característica, aquela que o define,  sobrepondo-se, desse modo, a todas as demais. Faz toda a diferença, né? Aliás, sendo um adjetivo, o tipo de deficiência da pessoa não  substituiria  JAMAIS  o  nome de seu portador.
Alguém conhece uma pessoa qualquer que tenha, em sua certidão de nascimento, nomes como “Cadeirante da Silva’’,”Surdo dos Santos’’, “Cego de Souza’’ ou algo semelhante ou, ainda, alguém que se apresente assim: “Oi, meu nome é João, mas pode me chamar de Cadeirante’’, ou “Prazer, meu nome é Júlia, nas pode me chamar de Cega’’ ou “Me chamo Pedro, mas prefiro ser chamado de Surdo’’? Suponho que não, né?  E, se isso não acontece, é porque os portadores de deficiência certamente não se sentem confortáveis e muito menos respeitados se tratados pelo substantivo que designa a deficiência que limita o indivíduo, pois são nomenclaturas  que não se aplicam a ele, mas apenas à sua condição.
Outra questão importante que torna impossível “ensinar’’ como tratar pessoas com deficiência é que elas não são máquinas, não são como computadores que, quando apertamos determinadas teclas ou clicamos em determinados ícones, já sabemos o que vai acontecer, pois a máquina não pensa, não age e não sente, sendo inerte a qualquer coisa que não os comandos associados às funções previamente  programadas.
Se eu me propusesse a ensinar a alguém um “modo correto’’ de tratar uma pessoa com deficiência seria pressupor que elas são como os computadores e que há um “procedimento correto’’ para tratá-las, assim como há um para se salvar um arquivo do Word, caso em que, daí sim, caberia descrever um “passo a passo’’ claro e objetivo, pois seria apenas explicar como funciona esse programa. Do contrário, seria uma tremenda arrogância me atrever a “descrever como funcionam’’ pessoas que pensam, agem e sentem de maneira tão individual e subjetiva. A mim cabe respeitá-las.
Aliás, o respeito é (ou pelo menos deveria ser) algo natural que nos acompanha desde o berço pois, como diz o ditado, respeito é bom e todo mundo gosta e, para ser respeitado, é preciso respeitar, de modo que devemos tratar as pessoas da mesma forma que gostaríamos de ser tratados por elas. Afinal de contas, tendo deficiências ou não, todos temos características individuais as quais esperamos e merecemos que sejam respeitadas.
Por isso mesmo, por questão de respeito (ou da falta dele) creio que há algumas situações que acredito incomodar bastante a maioria dos portadores de deficiência, como quando alguém pergunta se não é ruim não poder fazer isso ou aquilo. Bom… toda deficiência priva seu portador de uma ou algumas das funções orgânicas e impõe limitações,  o que não é bom, nem ninguém em sã consciência gosta dessa condição.
Aprender a lidar com e aceitar uma situação ou condição ruim que, em detrimento da vontade de quem passa por ela, não pode ser mudada, significa simplesmente não permitir que essa condição lhe tire a vontade de viver, de fazer planos, ter projetos de vida, realizar sonhos e ser feliz. Portanto, a deficiência não é em si algo bom sob nenhum aspecto, ninguém sonha em usar uma cadeira de rodas ou perder a visão ou audição.
Também são constrangedoras outras atitudes como palavras ditas em tom de consolo, do tipo “Você é tão inteligente’’, “Você é tão bonito’’, como se fosse um elogio, feito com ar de compaixão, como se a pessoa precisasse daquele “carinho’’ para sentir-se bem, ou ainda aquela lengalenga de “como deve ser difícil ser assim’’ e outras correlatas.
Uma pessoa com deficiência não precisa e nem deseja a pena de ninguém, nem ser “consolada’’, pois uma deficiência não é uma doença terminal, nem uma espécie de condenação ou penitência. Logo, ela espera da sociedade respeito, não pena ou compaixão por sua condição. Aliás, abro aqui um parênteses para esclarecer uma confusão muito comum: deficiência não é doença.    Doença é a  alteração biológica do estado de saúde de uma pessoa, uma anormalidade das funções orgânicas do indivíduo identificada por sintomas que caracterizam essa anormalidade. Já deficiência é uma insuficiência ou ausênciade uma ou algumas dessas funções. Sendo uma condição irreversível, as deficiências não têm sintomas (anormalidades) que alteram o estado de saúde de seu portador, não trazendo ao mesmo, por si só, portanto,  nenhum dano à   saúde do indivíduo ou risco à  sua vida. Desse modo, pessoas com deficiência são, em geral, saudáveis, estando sujeitas a doenças, sim, mas  na mesma proporção que as outras.
Enfim, para encerrar este texto, o único conselho que eu poderia dar sobre como se tratar as pessoas com deficiência é uma obviedade: trate-as como todas as demais, com respeito e pelo nome, pois a deficiência é apenas uma característica da pessoa, que não a faz deixar de ser o José, a Maria, etc..

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