Temos diversas formas de discriminação presentes em nossa sociedade, que se configuram como preconceitos em suas diversas variações e particularidades culturais das sociedades. O preconceito transcende épocas, sendo reconfigurado ao longo do tempo. A língua, não obstante, é uma construção histórica e no Brasil não é diferente. Logo, quando se trata da questão racial, é preciso ter em mente que dos 516 anos de história do Brasil, 350 foram sob a escravidão. No sentido semântico das palavras, também há uma construção social e histórica que atribuiu ao termo “negro” e outros a ele correlatos significados negativos, algo ruim, feio ou que necessariamente liga o negro ao passado de escravidão.Por isso, sendo a língua e seus usos tão intrínsecos ao cotidiano, não é raro que esses significados nos passem desapercebidos, em ditos populares, principalmente.
Exemplos são inúmeros. Mas, tentarei aqui trazer alguns de uso bastante comum. Quando se fala que “a coisa está preta” remete a ideia do ‘’preto’’ (que também era denominação de escravo) como algo ruim. Está se remetendo, ainda que sem perceber, ao discurso escravista, pois o ‘preto’’ ou a ‘’preta’ era o(a) incivilizado (a) e maldoso (a) e preguiçosa; já o (a) branco (a) teria a “civilização’’, ‘a ‘bondade’’ e a disposição ao trabalho.
A mesma lógica vale para o dia “de branco” como dia de trabalho, após um ‘’dia de preguiça” (feriado ou domingo).No período escravista, era em domingos e dias santos, quando a Igreja recomendava o descanso a todos, pois a única atividade nesses dias deveriam ser as religiosas e era comum nessas ocasiões os senhores darem um dia de descanso, ou menor carga de trabalho aos escravos.
A expressão “serviço de preto” comum para designar algo mal feito, também remete as situações nas quais os negros faziam o trabalho mal feito como forma de protesto ou como modo coletivo de reivindicar melhorias na qualidade da comida que lhes era fornecida ou respeito a tradição do descanso dominical e dos dias santos
A palavra “denegrir” é recorrente quando alguém acredita estar sendo caluniado ou difamado,porém seu significado literal é “tornar negro”. Se pressupõe-se que tornar algo negro é mal-intencionado,retorna-se a ideia da mentalidade escravista do negro como maldoso, sem nenhum senso moral ou respeito, o mesmo raciocínio vale para a expressão “inveja branca”, aquela onde supostamente não há nenhum tipo de maldade por parte de quem inveja.
Também é comum ouvir-se ”Fala comigo direito, que eu não sou tuas nêgas”. Essa expressão refere-se à condição da mulher escrava , a qual o senhoril usava não só do seu trabalho, mas de seu corpo da maneira que bem desejasse, conotação semelhante tem a expressão “negra tipo exportação”, uma vez que as negras jovens e bonitas eram mais caras. Nesse caso, o termo “exportação” refere-se ao tráfico negreiro e ao “preço de mercado’’ dessas mulheres.
A intenção desse texto foi pensar um pouco como algumas expressões cotidianas apresentam alto teor racista, mesmo que, na maioria das vezes, essas e outras palavras e expressões afins sejam empregadas normalmente sem essa conotação. Essa é uma questão sobre a qual é necessário se pensar para não reproduzir um discurso elaborado para legitimar a maior vergonha da historia do Brasil: a escravidão