Uma menina de 11 anos, que pesava mais de 200 quilos, conseguiu na Justiça o direito de fazer uma cirurgia bariátrica. Em junho deste ano, Milena foi diagnosticada com uma mutação genética que compromete receptores cerebrais e provoca obesidade precoce.
A cirurgia foi realizada em 8 de dezembro e, a princípio, até fevereiro de 2023, Milena deve ficar no hospital, focada na recuperação, junto da família.
De acordo com a endocrinologista pediátrica Julienne Carvalho, do Hospital Pequeno Príncipe, em Curitiba, a condição é rara, sem tratamento disponível e faz com que o cérebro não consiga entender que o corpo está saciado após comer. (veja detalhes no fim da reportagem)
A operação foi feita no Hospital do Rocio, em Campo Largo, na Região Metropolitana de Curitiba, pelo médico Paulo Nassif – que acompanha Milena há mais de um ano.
No Brasil, o Ministério da Saúde autoriza a operação para adolescentes a partir dos 16 anos para casos em que a vida do paciente corre risco.
Por isso, no caso de Milena, foi necessário buscar caminhos judiciais para tentar a única alternativa para ajudar a criança na perda de peso. A família buscou por mais de nove anos diagnósticos, restrições e tratamentos – que não surtiram efeito.
Para a mãe, Evelise, ter conseguido a cirurgia é uma vitória diante de toda a luta. Ela frisou que, assim como entendeu a Justiça, os riscos de uma operação não eram maiores que os trazidos pela mutação e pela obesidade à criança.
“A gente sabe que não vai ser fácil, mas é uma vitória. Eu lutei muito, nós lutamos muito para estar aqui. […] O que mais penso é que depois da cirurgia e do medicamento nós vamos ter uma vida normal, porque até hoje nossa vida foi muita privada, muito difícil”, contou a mãe.
Segundo Evelise, a filha passa bem, está sem dor, e deve passar mais 50 dias na instituição. A ideia é que ela deixe o hospital “totalmente recuperada” do pós-operatório.
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O g1 aguarda retorno do Sistema Único de Saúde (SUS) sobre o assunto.
Menina com doença rara chora de alegria ao saber de cirurgia
A notícia surpresa de que faria a cirurgia, um dia antes do procedimento, levou a menina a derramar lágrimas de emoção. Um choro de alegria de quem por anos enfrentou desafios diários por conta da mutação genética.
Milena e a mãe deram entrada no hospital no dia 28 de outubro, cerca de um mês depois de a Justiça determinar que o procedimento fosse realizado.
A chegada à instituição foi sem data prevista para a cirurgia e deu início a uma rotina preparada para o pré-operatório de Milena.
“Ela perdeu cerca de 15 quilos nesses dias no hospital, antes da cirurgia. É toda uma rotina de acompanhamento de fisioterapeutas, de psicólogos e psiquiatras. Tem também acompanhamento da nutricionista”, contou Evelise.
Apesar da distância de casa e da família, que ficou na área rural de Irati, na região central do Paraná, a estada na Região Metropolitana de Curitiba tem sido aprovada pela mãe.
“Eu me preparei muito, porque eu achei que ia ser muito difícil [no hospital], mas aqui dentro está sendo tão bom, as pessoas nos acolheram. Os profissionais nos acolheram. A Milena é a princesa, ela está amando. Tem dia que ela fala que nem quer ir embora, porque é muita atenção, né?”, brincou.
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Evelise também contou que a menina completou 11 anos durante o internamento e, para celebrar a data, as equipes do hospital preparam uma surpresa com bolo de banana com aveia e até tocaram violão.
Apenas um acompanhante pode acompanhar a menina no hospital. Por isso, aos fins de semana, o pai e as avós se revezam para matar a saudade de Milena. A família de agricultores planta fumo no interior do estado.
‘Vida muito privada’
Desde bebê, os pais perceberam que Milena tinha sobrepeso. Em casa, o cuidado e a busca por formas de vencer o problema sempre foram prioridades. Tentando controlar a alimentação da filha, pai e mãe também passaram a seguir uma dieta restrita.
Se ela não podia, eles também não gostariam de fazê-la passar vontade.
Com o tempo, limitações foram surgindo, como a necessidade da mãe ajudar Milena a tomar banho. A menina também não conseguia correr, brincar, andar de bicicleta.
Além disso, muitas vezes Milena sofreu bullying na escola. A mãe contou que precisou ir até o colégio e dizer que buscaria na Justiça os direitos da criança, diante da falta de respeito e exposição.
Evelise também contou que a família evitava frequentar lugares onde as pessoas não soubessem que Milena sofria de uma condição de saúde. Tudo para evitar os olhares maldosos que causavam tristeza à criança e aos pais.
“Quando ela [Milena] chegava com a cabeça baixa em casa, meu Deus, isso corta o coração da gente. E não era só na escola. Nós nos privamos muito de estar em um lugar que não conheciam ela. Independentemente de ser criança ou adulto, as pessoas olham, e têm pessoas que olham com o olhar de bem. Mas tem aquelas que olham com maldade.”
Conquista na Justiça
A cirurgia bariátrica da qual Milena precisava foi negada pelo Sistema Único de Saúde (SUS), com base na portaria do Ministério da Saúde que autoriza o procedimento apenas para adolescentes a partir dos 16 anos.
Junto do Conselho Tutelar e da Assistência Social de Irati, a família conseguiu ingressar com uma ação solicitando a realização da operação.
A decisão da Justiça que determinou a realização da cirurgia saiu em setembro deste ano.
Conforme um anexo do processo, assinado por uma endocrinologista, o procedimento era “urgente e necessário” diante das complicações em decorrência da mutação, que apresentavam evolução, como acentuação de doença no fígado por conta da gordura.
“Pelo risco de severas complicações, incluindo risco de morte segundo os laudos médicos apresentados, há indicação de realização da cirurgia sendo essa a melhor terapêutica a ser seguida nesse momento”, cita trecho.
Além da ordem para realização da cirurgia, a Justiça determinou que o estado seja responsável pelos custos do prestador.
O g1 questionou a Secretaria de Estado de Saúde sobre o assunto, mas ainda não teve resposta.
Ainda na Justiça, a família briga para conseguir um medicamento à base de cannabis que pode ajudar no tratamento de Milena. O remédio não está disponível no Brasil e precisa ser importado dos Estados Unidos.
Condição ainda sem tratamento
Segundo Julienne Carvalho, endocrinologista pediátrica, a mutação de Milena faz com que um receptor não funcione na região do cérebro conhecida como hipotálamo, responsável por comandar a produção de hormônios e regular o metabolismo.
“Uma proteína, que é a melanocortina 4, deve se ligar nos receptores para que o cérebro receba algumas mensagens importantes, como o controle do apetite, da fome. Quando essa proteína se liga, o nosso corpo entende que nós já estamos satisfeitos e que não precisamos comer mais. Mas pode acontecer uma mutação no receptor onde essa melanocortina 4 deve se ligar, que faz com que esse receptor não funcione, então a pessoa não sente que está satisfeita”, explicou.
Segundo ela, a mutação acontece no momento da formação do embrião e persiste durante toda a vida. A alteração, leve ou muito intensa, manifesta a obesidade.
A médica também disse que a obesidade por mutação do receptor da melanocortina é responsável por 2% a 4% dos casos identificados na infância.
“Pacientes que têm esse tipo de mutação e desenvolvem o quadro de obesidade estão sujeitos a mais complicações, quanto maior for o grau. Podem desenvolver hipertensão arterial, diabetes, doenças cardiovasculares e, […] na questão ortopédica, ter desconfortos, dor e até deformidades.”
A médica explicou que esses pacientes também podem ter desenvolvimento da puberdade precoce. Outro risco são as complicações psicológicas, já que os pacientes estão mais sujeitos a desenvolverem depressão e ansiedade.
Sem tratamento disponível, Julienne explica que as famílias dos pacientes são orientadas a estimular a alimentação saudável e a controlar a quantidade e a prática de exercícios. Contudo, tudo isso pode não ser suficiente.
“Têm estudos mostrando que essa mutação não interfere somente no apetite, na saciedade, mas também pode, inclusive, interferir no gasto energético do organismo de quem tem. Como se uma pessoa que não tem o metabolismo conseguisse gastar mais energia do que o de uma pessoa com”, explicou.
Milene levou quase 10 anos para receber o diagnóstico. A especialista afirma que o teste da mutação existe e é feito em laboratórios do país, mas esbarra no alto custo. Por isso, é inacessível para a maior parte das pessoas.
Segundo a médica, pais devem estar atentos ao controle de peso das crianças, com casos de obesidade precoce, que começa antes dos cinco anos de idade, principalmente nos dois primeiros anos de vida. A alteração do peso, diz, pode ter origem genética.
Fonte: G1