Em um mundo ainda dominado por lideranças masculinas, Cecília Barros de Mello Falavigna, 79 anos, de Maringá, é uma inspiração para todas as mulheres que gostam da agricultura. Conhecida no Agronegócio do Brasil inteiro como ‘Rainha da Soja’, a agricultora que já está na lista da Forbes, como uma das mulheres mais influentes do setor, continua sendo homenageada por sua trajetória. Na 49 edição da Expoingá não foi diferente.
“Eu perdi o meu marido e dei continuidade em tudo que ele fazia, fui crescendo cada vez mais, e hoje estamos bem graças a Deus, com o trabalho, com a vivência, com a experiência e tecnologia. Não parei um minuto e segui com muita dedicação e carinho no agronegócio”, afirma.
A agricultora e mãe de três filhos explica ao GMC Online que é preciso buscar o conhecimento para não ficar para trás, ou seja, é fundamental acompanhar as novas tendências, buscar tecnologias e inovação, somadas as orientações dos técnicos.
“A Cecília de hoje tem muito mais experiência, passou por várias dificuldades, mas foi muito corajosa, eu me orgulho de estar na Expoingá e receber essas homenagens”, diz.
Coragem, determinação e simpatia são das qualidades que se tornam evidentes em pouco tempo de conversa com a empresária, que se destaca na fila das mulheres que estão à frente dos negócios, tomando decisões e assumindo posições no agronegócio. Cecília afirma que todo o trabalho não é em vão e que o legado precisar ser passado para frente. Para ela, ver que todo o trabalho valeu a pena é muito compensador.
“A idade vai chegando e temos que deixar alguém no lugar, meu filho, Paulo Cesar de Mello Falavigna é que está dando continuidade, mas eu nunca deixo de estar atualizando. Tudo que se faz na fazenda eu estou por dentro. Nós trabalhamos juntos, mas é ele que está à frente de tudo agora”, ressalta.
A ‘virada de chave’
Após o falecimento do marido, Cecília deixou de ser professora de uma escola particular em Maringá para assumir as duas propriedades – em Floraí e Mamborê, onde cultivava, além da soja, pecuária e trigo. Com o tempo, centralizou as propriedades em Floraí e optou pelo cultivo da soja, milho e laranja.
“Minha vida mudou muito depois de um drama pessoal. Após lutar por dois anos contra um câncer no estômago, meu marido, João, perdeu a batalha e morreu em 23 de março de 1997. E foi a partir desse dia que tive de me reinventar. Professora e dona de casa, mãe de três filhos, me vi perdida, sem chão, era meu marido que administrava as propriedades rurais. Recebi diversos conselhos. Uns diziam para arrendar as terras; outros, para vendê-las. Até que resolvi arregaçar as mangas e assumir as duas fazendas, que ficam no município de Floraí, no Paraná”, relata.
Desafios na vida pessoal e profissional
No entanto, para assumir os negócios, Cecília precisou estudar a aprender sementes, solos, alqueire de terra. “Meu primeiro passo foi conversar com os empregados e pedir o apoio deles. No princípio, ficaram receosos. Mal falavam comigo. Afinal, nunca tinham tido de lidar com uma mulher. Com o tempo, porém, consegui a confiança, e eles estão comigo até hoje. O segundo passo foi procurar a cooperativa da região, a Cocamar. Aproveitava tudo o que a entidade me proporcionava, de cursos a palestras, mesmo não sabendo perguntar — porque, se você não tem conhecimento do assunto, não sabe nem qual é sua dúvida”, explica.
Entretanto, nem tudo são flores. Na agricultura, ela teve duas grandes dificuldades no início dessa nova fase de vida. A primeira foi enfrentar o preconceito por ser mulher, e ainda viúva, num ambiente dominado por homens. Mas, à medida que se empunhava, conquistava o respeito. A segunda foi em relação aos três filhos. “Ana Cláudia, a mais velha, era recém-formada em arquitetura, mas ainda não estava casada; a do meio, Mara Sandra, é portadora de síndrome de Down, e eu não podia deixá-la com qualquer pessoa; o caçula, Paulo César, era adolescente, e o sonho de Cecília era proporcionar a ele uma faculdade. Perdi a conta de quantas vezes chorei de saudade deles, mas eu tinha de buscar o pão de cada dia. Passei momentos de solidão, sem ter com quem dividir dúvidas e angústias”, relembra.
O primeiro desafio da então nova agricultora aconteceu logo na safra de estreia. Era época de plantar milho, mas o maquinário estava sucateado, não tinha como semear. “Procurei a concessionária e comprei meu primeiro trator. Fiquei muito feliz. Nunca atrasei uma prestação. Passava madrugadas fazendo cálculos de quanto a soja me renderia para pagar as dívidas. O mercado oscila demais, a cotação do grão varia de um dia para o outro”, diz.
Rainha da Soja
Mãe, guerreira, professora, agricultora, Cecília ultrapassou seus obstáculos e mostrou que é possível vencer as dificuldades quando tem determinação. Em três safras, 2015, 2016 e 2018, foi premiada no Paraná por conseguir a maior produtividade da região. Por mais que buscasse o melhor manejo, a professora estreante na agricultura nunca imaginaria que seria a “rainha da soja”. “Foi o reconhecimento por toda a minha luta. Encontrei barreiras, porém em nenhum momento pensei em desistir. Nem quando levei o maior tombo. Era uma quarta-feira, a soja estava amarelinha, e iríamos iniciar a colheita no dia seguinte, até que o telefone tocou e veio a notícia arrasadora: uma chuva de granizo acabara com toda a plantação. Passei mal, chorei, mas um dia depois ergui a cabeça e estava lá colhendo o pouco que havia sobrado” ressalta.
Nesses 23 anos à frente das fazendas, a Rainha da soja afirma que se sente realizada e hoje começa a dividir as responsabilidades com o filho, que conseguiu se formar em direito e trabalha com a mãe. “Tenho certeza de que fiz o meu melhor ao expandir o que o João deixou. Meu desejo é que minha soja continue alimentando as pessoas pelos quatro cantos deste mundo”, diz.
Fonte: GMC Online