Vacina: uma palavra que concentra esperanças do mundo inteiro. Quando um vírus até então desconhecido gera uma pandemia nas proporções atuais, desenvolver um método de imunizar a população é tarefa para a qual cientistas de diversas áreas voltaram as atenções. Mas a tarefa não é fácil. O processo exige grande investimento e acúmulo de conhecimento, e a falta de vacinas para doenças que há muitos anos perturbam a humanidade, como Aids e Hepatite C, indica o tamanho do desafio.
O comportamento dos agentes patogênicos no corpo humano pode gerar, basicamente, dois tipos de dificuldade na produção de vacinas, como expõe o médico infectologista Alexandre Naime Barbosa, professor da Faculdade de Medicina de Botucatu (FMB/Unesp): “O primeiro é a mutação. Por que é mais factível uma vacina para Sars-cov-2 do que para Hepatite C? Por causa da alta taxa mutacional deste, mais de 90% dos vírus que ele reproduz dentro das células são diferentes do original”.
“A vacina nada mais é do que um método de ensinar o sistema imunológico a produzir uma resposta de defesa baseada em anticorpo ou na resposta imune celular mediada por células T”, continua. “Como se fosse uma imagem que fica gravada na memória. Como os vírus estão em constante mutação, não é possível gerar uma resposta contínua e potente”.
O segundo tipo de dificuldade é o mecanismo de escape da função imune. “É como se fosse a camuflagem do camaleão”, compara o professor, que cita como exemplo o parasita causador da malária e a bactéria que causa a sífilis. “Eles simulam e se misturam com as células do organismo, não há como fazer uma resposta específica. São agentes que se infiltram em nosso exército”.
Doenças negligenciadas e vacinas que fazem falta
O desafio é tão grande que nem a promessa de grande retorno financeiro garantiu, até agora, um resultado positivo. “Não tenho dúvida de que quem desenvolvesse uma vacina para Hepatite C ou HIV já teria faturado muito”, pontua Barbosa, que ressalta que “a falta de investimento se dá para outras doenças, que são doenças negligenciadas. São doenças que existem só em países pobres”.
“Não se pesquisa uma vacina para zika vírus ou chicungunha, que teoricamente seriam mais fáceis”, exemplifica. A Organização Mundial da Saúde mantém lista com 20 doenças tropicais negligenciadas, que afetam populações pobres da Ásia, África e América Latina, como Doença de Chagas, raiva ou dengue – esta última, em particular, de grande impacto no Brasil. Apenas no primeiro semestre de 2020, segundo o Ministério da Saúde, foram notificados mais de 900 mil casos prováveis de dengue no país.
Questionado sobre qual vacina seria mais urgente, fora a do novo coronavírus, o médico é enfático: “sem sombra de dúvida, é a do HIV”. Mais de 40 milhões de pessoas morreram desde que a Aids surgiu nos anos 80, e embora o avanço da medicina favoreça no tratamento, a doença ainda é fatal. “É uma doença comportamental, você tem como evitar, é só por camisinha. Fácil, barato e efetivo. Só que as pessoas não mudam o hábito, então não adianta ficar na ditadura do látex”.
Ele lamenta, ainda, que o número de casos venha aumentando entre jovens do Brasil e de outros países do mundo, e não acredita que essa vacina seja desenvolvida tão cedo. Isso porque se trata de vírus com grande capacidade de mutação e, além disso, com mecanismo de fuga que desliga o sistema imunológico. “No intervalo de 10 anos certamente não haverá vacina para HIV”, prevê Barbosa.
Comunidade mobilizada contra coronavírus
Por ora, especialistas ao redor do mundo se debruçam para encontrar uma solução contra a Covid-19. Jorge Kalil, diretor do Laboratório de Imunologia do InCor (Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da USP), coordena o projeto brasileiro: “Não há fórmula para fazer vacina. Primeiro a gente descobre uma vacina, depois a gente desenvolve, a última etapa é a fabricação. Isso tudo pressupõe uma aquisição de conhecimento que é muito importante”.
Ele explica que, além da sinergia gerada pela urgência, a solução contra a pandemia pode chegar em tempo recorde pois aproveita estudos baseados em vírus que já estavam em circulação. “A vacina de Oxford, por exemplo, é semelhante à que já estava sendo testada para Ebola e para Mers, que são parentes do Sars-cov-2”.