O número de denúncias de violência contra idosos recebidas pelo Disque 100, canal de atendimento do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos (MMFDH), nunca foi tão alto. Em 2020, foram 87.907 registros, crescimento de 81% em consideração a 2019 (48.446). É o maior volume de notificações já computadas no país, segundo a série histórica, iniciada em 2011.
Em um ano pandêmico, com diversas restrições econômicas, o confinamento faz com que incontáveis famílias convivam no mesmo ambiente, quase sem interrupções. Diante dessas condições, muitos abusos e violências são cometidos – quase metade (48%) é praticada pelos próprios filhos. Os netos aparecem logo depois, responsáveis por 6% das violências denunciadas.
Entre as unidades da Federação com mais notificações, o Rio de Janeiro é o líder: são 76,4 denúncias feitas a cada 100 mil habitantes. O Distrito Federal vem logo depois, com 66,2. Os números foram levantados pelo (M)Dados, núcleo de jornalismo de dados do Metrópoles, na base de dados do MMFDH e também por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI).
Segundo a presidente do departamento de Gerontologia da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG), Vania Heredia, a maior parte desse tipo de violência ocorre em busca de poder sobre os idosos, que em muitos lares brasileiros são a única fonte de renda de uma família. Mais de 13 milhões de moradias no país são mantidas apenas com a renda de idosos, segundo o IBGE.
Para Vania, essa violência é sofrida em silêncio, e muitas vezes as vítimas só conseguem se libertar por meio da denúncia de terceiros.
“Eles são adultos e têm uma história. Ir para a Justiça, denunciar a família, é muito difícil. Muitas vezes, eles não querem expor a situação, pois é também a exposição deles, dos filhos, da família que eles criaram. É um sofrimento calado”, frisa a presidente da SBGG.
No último dia 15, a Câmara dos Deputados aprovou projeto de lei que estabelece o aumento de pena para crimes de maus-tratos, abandono de incapazes e violência contra crianças e idosos. A proposta, de autoria do deputado Hélio Bolsonaro (PSL-RJ), foi impulsionada após o caso do menino Henry Borel, no Rio de Janeiro.
O texto endurece as penas para casos de abandono de incapaz, maus-tratos e exposição a perigo da integridade e da saúde, física ou psíquica, do idoso, da criança e de pessoas com deficiência.
Para Juliano Dessimoni, promotor de Justiça do Estado de São Paulo, a votação de projetos alterando os textos normativos após determinados crimes é algo histórico na legislação brasileira. No entanto, questiona se o aumento da pena é a real resposta para isso, no lugar de outras medidas, como diagnóstico das razões para esse tipo de violência ou abertura de novos canais para denúncias.
“Não adiantará ter penas mais duras se não for possível identificar as razões e aumentar os canais de denúncias para que essas situações não se repitam”, salienta Dessimoni.
Em janeiro, Leila Maria Marçal, 69 anos, passou a fazer parte dessa triste estatística. Resgatada pela Polícia Civil do Distrito Federal, faleceu após, supostamente, ser vítima de maus-tratos por parte da própria filha. Segundo a PCDF, a idosa foi encontrada desnutrida, sem dentes e com várias feridas pelo corpo na casa em que morava, em Taguatinga Sul.“Eles a descreveram como um cadáver vivo. Ela estava se desintegrando, uma situação deplorável”, disse a chefe da Delegacia Especial de Repressão aos Crimes por Discriminação Racial, Religiosa, por Orientação Sexual ou contra a Pessoa Idosa e com Deficiência (Decrin), Ângela Maria dos Santos.
Segundo Vania Heredia, a falta de iniciativas para acolhimento dessa população faz com que as denúncias sempre dependam de terceiros, e, mesmo quando ocorrem, muitas vezes o socorro não chega a tempo.
“Algumas cidades não têm nem conselhos municipais de idosos ou casas de acolhimentos. Sem esse apoio, tudo fica demorado, e às vezes é tarde demais”, conclui.