O presidente da Coamo é o entrevistado na Revista Amanhã, de Porto Alegre (RS), edição de julho 2018 com circulação em vários estados brasileiros.
” Só mesmo o destino, acredita José Aroldo Gallassini para explicar o que o levou de Brusque a Campo Mourão no final da década de 1960. De início, o jovem catarinense que descobria sua paixão por agricultura encarou a mudança como algo protocolar na vida de um extensionista rural em início de carreira. “Nunca tinha ouvido falar em Campo Mourão, mas topei a parada”, lembra. Não sairia mais de Campo Mourão. E descobriria, na pequena cidade paranaense, um senso de iniciativa que o colocaria no rol das grandes lideranças históricas do cooperativismo brasileiro, e a Coamo, no topo das cooperativas agrícolas da América Latina.
Na entrevista a AMANHÃ, o comandante da Coamo explica o que leva algumas cooperativas ao sucesso e não se esquiva em avaliar o cenário político e projetar o futuro do Brasil: “A grande interrogação é o novo governo”.
Confira alguns trechos abordados por Gallassini sobre diversos temas na entrevista.
Recuperação da economia – “O processo de recuperação é de longo prazo. Demorou muito tempo para estragar, e agora, para recuperar, é muito complicado. Um dos pontos mais graves é o desemprego. São mais de 12 milhões de desempregados, e isso não se resolve em dois, quatro, cinco anos. Mas há setores que vão resolver aos poucos esse problema: indústria, agricultura, serviços. ”
Entraves – ” É preciso atacar os pontos importantes. Naturalmente, a reforma tributária, ou seja, modernizar o Brasil. Nós temos uma burocracia muito elevada, um custo muito elevado para as empresas. Do jeito que estamos hoje, as empresas têm um grande percentual de funcionários que estão ali para atender aos controles do governo, o que só aumenta custo. É preciso uma estrutura de modernização para as empresas terem um custo menor do que têm hoje, sofrendo impostos de toda ordem.”
Reformas– ” É importante a reforma tributária, a reforma fiscal, enfim reformas de toda ordem. Temos urgência que o governo tome uma providência. Ficou muito complexo. Nossa formação é de país latino-americano, e por isso não vemos muita facilidade para fazer as mudanças que são necessárias. Se tivéssemos uma modernização, poderíamos ter carga tributária menor, uma desburocratização – já teve até ministério para isso, mas não vimos avanço rápido. Algumas coisas já mudaram para melhor, mas é preciso transformar muito mais. O país ficou travado nesse aspecto fiscal e tributário.
Futuro do agronegócio – “O agronegócio está em um momento bom. Nós temos uma participação de cerca de 23% do PIB brasileiro. Ainda não se vê crescimento na indústria, nos serviços. São setores que ainda precisam voltar a crescer para se juntar ao agronegócio e começarmos a resolver a questão do desemprego. Temos de resolver. O campo pode contribuir muito com isso, mas ele também tem seus limites. Até porque o agronegócio está muito modernizado. As atividades ligadas ao agronegócio têm condições de se expandir no Brasil, e exportar para o mundo, atendendo à necessidade global por alimentos e por produtos da nossa agroindústria, que também tem muito a contribuir para geração de novos empregos.”
Expectativa para 2019 com novo governo -” A grande interrogação é o novo governo. É uma coisa muito complexa. Temos 10, 12 candidatos. Uns até estão ali mais por estar. Precisamos de candidatos que tenham uma boa formação. O Estado brasileiro está com um nível de endividamento interno quase comparável a uma empresa em concordata, em recuperação judicial. Acima de 70% de endividamento, o país fica numa situação impraticável, e já estamos por aí. É preciso que o novo governo entenda os desafios da administração pública e tenha força política para tomar as medidas necessárias. Diante do tamanho da crise, é preciso muita capacidade de negociação, porque em princípio ninguém abre mão dos benefícios que tem. E se ninguém abrir mão de benefícios, não se vai a lugar nenhum, não se consegue reduzir o Custo Brasil, nem remodelar o país.
Corrupção & Seriedade – ” Dentro da democracia precisamos construir um país mais sério. Não se tinha noção do nível a que chegou a corrupção, e de como ela deteriorou todo o país. Como pode? Precisamos reagir. A corrupção vem lá de cima, na política, e acaba envolvendo todos os setores da vida do país. E com a corrupção vem a violência. São os dois grandes problemas que o país tem de resolver. Mas não se resolve assim… passando a mão na cabeça. É preciso punição exemplar para quem sair da crise. A situação, hoje, é muito preocupante por causa de governos populistas. O que é um governo populista? É o pior tipo de governo que nós podemos ter hoje no mundo. Porque usa recursos do governo para atender à classe mais pobre ou, a grosso modo, para comprar votos e ficar com a população em suas mãos. Isso me preocupa muito. É preciso pôr um basta nesse tipo de governo, precisamos de um governo que valorize a pessoa humana e mostre que o trabalho é o que valoriza o homem. É aquela história do pescador. É preciso ensinar a pescar, e não dar o peixe.”
Meio século na Coamo -“Estou completando 50 anos de Campo Mourão. Comecei o trabalho em 1968, depois, em 1969, seguiu-se um trabalho grande de cooperativismo através da extensão rural. Antes da criação da Coamo, teve todo um trabalho prévio com lideranças entre 1968 e 1969. Em novembro de 1970, fundamos a Coamo. Fui convidado para ser gerente, depois, a partir de janeiro de 1975, assumi como presidente. São 43 anos de presidência. Cada tijolo que tem aqui ajudamos a montar. E enquanto tiver saúde, não posso virar as costas para a cooperativa. Estou à disposição, mas com a grande preocupação de preparar gente para o futuro. Isso já estamos fazendo, para poder dar continuidade à Coamo. Não fizemos a Coamo para uma ou duas gerações, já estamos na quarta. Fizemos para toda a vida. E nós estamos preparando a cooperativa para profissionalizar a gestão… A Coamo é uma grande empresa, cada vez mais precisa ser administrada com gente competente. Para ter continuidade.
Cooperativismo de resultados – “O que sempre pensamos quando fundamos a Coamo é em praticar um cooperativismo de resultado. Eliminar certos problemas de administração, principalmente o paternalismo, que beneficia poucos. Nós temos a preocupação de trabalhar visando a resultados, para mantermos a cooperativa bem capitalizada – o que não é simples. Procuramos estar sempre capitalizando, dando bom resultado aos associados e devolvendo as sobras ao cooperado na proporção com que ele operou conosco. Ele sabe disso, acompanha bem de perto, e viu que a situação é esta: nós precisamos estar bem capitalizados para poder atender às necessidades de todo o quadro social. Essa questão da capitalização, junto com uma boa administração, sem paternalismo, com muita seriedade, nos trouxe sucesso nesses 48 anos de Coamo.”
Governança – ‘ Creio que, na Coamo, estamos no caminho certo. A nossa missão é dar a maior rentabilidade para o nosso quadro social, modernizando, buscando resultado através da industrialização, da assistência técnica, do aumento de produtividade. Também trabalhamos no sentido de estimular a diversificação de renda da propriedade e promover a industrialização dos produtos dos nossos cooperados.’
Crescimento da Coamo – “Estamos voltados para o quadro social. Então não há muito interesse em botar filial nos Estados Unidos, na Europa. Não é o nosso negócio. Nós queremos produzir e exportar para todos os países do mundo, como estamos fazendo, e ter toda essa estrutura de indústria, portos. Temos uma estrutura no Porto de Paranaguá, que estamos modernizando, adquirimos mais um terreno em um porto de Itapoá, em Santa Catarina. É importante ter um porto próprio no futuro, já que esse de Paranaguá é concessão do governo, de modo a irmos evoluindo cada vez mais na questão da exportação e até da importação. A Coamo é uma cooperativa que age num modo singular, e estamos avançando cada vez mais nessa linha: crescer, capitalizar e dar cada vez mais vantagem financeira para o associado.”
Então, os negociantes da Coamo têm de tirar o máximo. É como se fosse uma toalha molhada: você vai torcendo, torcendo, até a última gota. Nós queremos a última gota. Nesse sentido, falamos para negociar bem. Se o cooperado vendeu soja a 100, nós perguntamos primeiro: você paga 100? Então se vende a 100, tá bom, não há resultado nenhum. Mas se o cooperado fixou 100, nós vamos vender a alguém que paga o máximo possível, a última gota, 105, 107. Não é simplesmente ter pra vender porque o cooperado fixou, nós queremos vender bem. É isso que a gente fala: quero ter a última gotinha.
O cooperativismo se comunica bem com a sociedade? Já houve incômodo com o nível de incompreensão ou ignorância que certos segmentos da sociedade têm em relação ao cooperativismo?
Nós chegamos a um nível de conhecimento da comunidade em que não sentimos mais esse problema. Mas não vou dizer que nunca houve. Em cidade pequena, há uma ciumeira: por que optamos por ter uma cooperativa, em vez de ter uma empresa? Então, tem essa concorrência. Mas hoje não vejo mais tantos problemas assim, porque a cooperativa assumiu sua função e está prestando um grande serviço ao quadro social e também à comunidade. Até houve épocas em que alguém pensava: “Puxa vida, o cara está enxergando uma coisa que nós não vimos, poderia ser nós, mas esse cara está aí”. Mas eu não vejo mais esse problema. A concorrência sempre existe. Convivemos com a concorrência, hoje sem muitos problemas. Fazemos questão, inclusive, de ter uma participação muito grande na comunidade, envolvendo desde os nossos gerentes até os superintendentes, para trazer empresas para cá. Já fomos responsáveis por empresas que queriam vir. Oferecemos apoio para se instalarem aqui. Temos um bom relacionamento. E esse relacionamento se dá através de associação comercial, sindicatos. Claro que, se alguém está no ramo, ele não fica satisfeito porque o outro está crescendo, e ele ficando para trás. Mas não vejo grandes problemas hoje.
líder que serviu de inspiração – ” Numa altura da vida, eu achei que, entre não ter nada ou estudar, o negócio era estudar. Percebi isso e botei na cabeça que tinha de estudar. Fui fazer o ginásio noturno na época. Botei na cabeça que queria ser agrônomo, fui para Curitiba, servi o Exército, e fiz o Científico num colégio estadual. Passei em Agronomia, entrei no sistema de extensão rural. Gostei disso, era o meu negócio. Gostava de agricultura. Tive alguns líderes, por exemplo, o pai de Roberto Rodrigues (Antonio José Rodrigues Filho), que foi o primeiro presidente da OCB, Então, não houve uma única pessoa líder, espelho mesmo. Fui bebendo de várias fontes e querendo fazer o melhor. E deu certo.”