Confira a matéria de capa do jornal Estado de São Paulo, sobre a carreira da goioerense Edna Batista.
Responsável por quebrar um hiato de 14 anos sem árbitras) mulheres na Série A do Brasileiro, Edna Alves, 39, teve seu trabalho moldado em cenários bem mais adversos do que os estádios dos times mais importantes do país. Antes de chegar à elite, a paranaense começou a trabalhar em jogos de futebol masculino com campos de terra, sem estrutura e pouca segurança.
“Na várzea não é mole”, lembra Edna, que apitará neste sábado (7), no estádio Mané Garrincha, em Brasília, o seu quarto jogo no Brasileiro— Avaí x Flamengo. “Em jogos amadores, a rivalidade é muito grande e o pessoal entra para ganhar de qualquer jeito”.
Quando lembra o período de árbitra e bandeira em torneios amadores, ela não se queixa. Espanto, diz, quem teve foram os torcedores ao verem uma mulher entrar em campo para apitar.
Até falavam alguma coisa, mas depois que viam que a gente trabalhava sério, foram respeitando. Quanto aos xingamentos, nunca fiquei prestando atenção ao que falavam”, afirma.
O início da carreira foi em Goioerê, cidade paranaense de 27 mil habitantes que fica a 524 quilômetros de Curitiba. Filha de um caminhoneiro (já falecido) com uma dona de casa, ela é a terceira de quatro irmãos. Na escola, jogava basquete, futsal e se destacava por ser a capitã das equipes em que atuava.
O jeito firme com que orientava as outras meninas e argumentava com técnicos e juízes chamaram a atenção de um amigo de seu pai, que a convidou para apitar. Tinha 19 anos na época.
Foi num jogo em Ubiratã, no Paraná, que Edna passou pelo que classifica como seu “batismo”. O campo da partida não tinha alambrado e o isolamento era apenas uma corda que separava os jogadores da torcida pelas duas laterais.
O confronto era válido pela liga local. Logo no início, ela expulsou um jogador do time da casa.
“Me perguntaram se eu queria escolta policial. Respondi que quem precisava de proteção eram os jogadores”, lembra.
Da várzea ao Campeonato Brasileiro da Série A, a árbitra trabalhou em estaduais e divisões inferiores do Nacional. O ápice da carreira veio em 2019, na Copa do Mundo feminina. A paranaense apitou, na França, quatro partidas, sendo uma delas a semifinal entre EUA e Inglaterra.
Com atuação no masculino e no feminino, ela vê poucas diferenças no seu trabalho em competições dos dois gêneros.
“Os jogos entre homens são mais corridos. Mas em relação à pressão, é igual. Tem casos em que uma partida no feminino pode ser muito mais tensa”, avalia.
Edna corre em média 12 quilômetros em cada partida. Durante a semana, trabalha todos os dias a parte física para manter a forma.
“A minha referência é a Sílvia Regina (primeira mulher a apitar jogos da Série A do Brasileiro na década de 1990. Ela foi uma desbravadora, rompeu barreiras e abriu caminho para uma nova geração de mulheres”, diz.
Antes de virar árbitra profissional, atuou como bandeira, de 2001 a 2014, no Campeonato Paranaense. Ao decidir mudar de função, teve que dar um passo para trás e passou a trabalhar em partidas do sub-13, sub-15 e em jogos da última divisão do Estadual
“Ela abriu mão do escudo da FIFA, de árbitra internacional, como bandeira porque tinha o sonho de ser árbitra central. Então, ela voltou às categorias de base, começou a apitar na base, largando o escudo internacional de auxiliar. Ela já conseguiu alcançar o quadro internacional como árbitra central e, hoje, está chegando na Série A”, afirma Leonardo Gaciba, presidente da Comissão de Arbitragem da CBF.
“Para mim, ela é um exemplo para todo mundo”, completa o ex-árbitro e agora dirigente da confederação. Aos 39 anos, Edina se espelha em dois juízes brasileiros. “Gosto do controle de jogo do Héber Roberto Lopes e da leitura tática, da movimentação em campo e o conhecimento da regra do Sandro Meira Ricci”, comenta.
A rotina antes das rodadas é intensa. Diz ver jogos na televisão das equipes que estarão nas partidas em que atuará. “Assim que sai a escala, estudo os times, olho o esquema tático, as jogadas de gol que eles mais utilizam. É feita uma leitura geral das duas equipes”, conta.
Devota de Nossa Senhora, ela diz fazer orações antes dos jogos. Quando tem um tempo, visita o Santuário Nacional Aparecida, no Vale do Paraíba. Edina projeta uma carreira longa no futebol. Quer também encontrar tempo para outras prioridades na vida.
“Eu penso, sim, em formar a minha família e ser mãe. Mas tudo tem seu tempo. Estou muito feliz pelo o está acontecendo agora na minha carreira”, afirma. (Fonte: Folha de São Paulo)