Eleito pela terceira vez prefeito de Mariluz, cidade de pouco mais de 10 mil habitantes do Paraná, Paulo Alves passou pela sua primeira eleição após se assumir gay. Apesar de ter sido alvo de preconceito, hoje avalia que conquistou o respeito da população e aponta seu comportamento discreto como um dos principais responsáveis por isso.
Filiado ao PSL, o prefeito, eleito por 56,18% dos votos, não considera contraditória sua escolha partidária e pontua que a legenda oferece “condições de governabilidade”. Alves destaca que pensou nas vantagens “de estar no partido do presidente” e que não busca na legenda apoio à sua sexualidade. Eleitor de Jair Bolsonaro, ele considera que o presidente mudou o seu comportamento ao longo dos dois anos de mandato, seja por questões políticas ou por reflexão.
“Deixei a prefeitura com uma aprovação alta. Percebo que as pessoas admiram que eu sou gay, eleito e que estou no PSL. Não me preocupo com o que as pessoas pensam de mim, desde que eu esteja em paz. Consegui conquistar o respeito sem bater de frente. Se eu tivesse saído andando de mão dada, as pessoas iam ficar chocadas. Hoje elas aceitam”, diz.
Alves nunca ocupou outro cargo público e afirma que sua trajetória política não é uma vontade pessoal. Religioso, pondera que, quando concorreu pela primeira vez há 12 anos, que a cidade passava por uma situação administrativa insatisfatória e acredita ter achado nas orações que o seu caminho era a política.
“Senti Deus falar que confiava em mim para essa missão. E assim foi. Comecei a minha campanha com 4% das intenções de voto, e terminei com 50%. Tenho desejo de servir as pessoas e essa até hoje é a minha motivação”, explica.
Antes do PSL, Alves foi filiado ao PSDB, mas saiu do partido com a intenção de não continuar na política. Após se assumir gay e, consequentemente, ficar com atuação limitada na igreja, Alves decidiu voltar para a prefeitura para continuar com seu projeto.
Por que o senhor resolveu voltar para a política?
Há 12 anos, vi que a cidade passava por uma situação difícil de gestores. Participava muito da igreja e coloquei em orações perguntando se Deus queria esse trabalho na minha vida. Eu não queria, nunca fui político, nem ninguém da minha família. Senti Deus falar que confiava em mim para essa missão. E assim foi.
Comecei minha campanha com 4% das intenções de voto e terminei com 50%. Tenho desejo de servir as pessoas e essa até hoje a minha motivação. Saí do PSDB para não me candidatar mais. Mas aconteceram coisas na minha vida que me fizeram repensar. Como estava fora da prefeitura e com um trabalho limitado na igreja, senti que deveria voltar para servir as pessoas. Saí do PSDB para não me candidatar mais.
O que aconteceu?
Eu me assumi gay. Até os meus 40 anos ninguém sabia de nada. Eu também não aceitava. Me sinto assim desde jovem, tentei suicídio duas vezes, a primeira aos 14 anos quando comecei a perceber isso. Só aos 38 anos que me permiti. Há seis anos, conheci uma pessoa, começamos a ter um relacionamento. Eu já era prefeito de segundo mandato. Falei que eu só me assumiria quando saísse da prefeitura. E eu me assumi.
Como foi esse processo, principalmente por ter acontecido em uma cidade pequena?
Através das redes sociais houve um pouco de humilhação e calúnia na campanha, mas eu achei que seria pior. Entrei com processos contra algumas pessoas, mas não me abalou. Quando me assumi, a cidade inteira ficou sabendo. Eu era líder religioso também. Eu não sentia a necessidade de sair falando com as pessoas, mas eu não escondia mais.
Todos sabem que eu sou gay e me respeitam. Eu não ando na rua de mão dada, não tenho necessidade disso. Não levanto bandeira também. Ninguém tem que provar nada, tem que viver com intensidade a natureza delas.
Mas você não considera um desrespeito você não poder andar na rua de mão dada?
Eu concordo. Reconheço que na minha cidade eu não faço isso porque eu tenho que saber que essas pessoas estão em um processo. Se eu avançar o sinal as pessoas nunca vão aceitar e ver com naturalidade. Já consegui conquistar muito respeito sem bater de frente.
O senhor tem atuação nas pautas LGBTI+?
Eu penso que nós nascemos pra ser feliz, não importa se eu sou negro ou branco, gay ou hétero. Acho que temos que ser felizes. E a busca pela felicidade não tem que questionar o comportamento do outro. Tenho que demonstrar que eu sou feliz como eu sou.
Hoje, as pessoas ficam admiradas como eu consegui me eleger sem preconceito por eu ser gay. As pessoas olham o meu ser, meu comportamento. Se eu condenasse o comportamento de alguém, seria mais difícil eu ter conquistado esse respeito. Eu trato com naturalidade.
Mas o senhor não acha que atuar nas causas é uma forma de ajudar a construir esse respeito no resto da sociedade? O senhor considera atuar mais?
Isso é algo que eu tenho pensado muito. Me encontrei tanto nesses últimos anos que eu fico pensando como seria se eu tivesse conseguido isso aos 18 anos. Eu sofria sozinho, passei muito tempo sofrendo e sem apoio nenhum. Não desejo isso pra ninguém. Eu seria outra pessoa se eu tivesse tido apoio aos 18 anos.
O senhor está filiado ao PSL. Não considera contraditório, já que é um partido conservador com tendência a não aceitar essa diversidade?
Eu penso que dentro de um partido existem pessoas boas e ruins. Não estou no PSL porque eu sou conservador de direita. Pensei nas vantagens de estar no partido do presidente. Eu votei no Bolsonaro pelo pulso que ele tem para o governo. Não estou preocupado se ele gosta de gay ou não. As pessoas tem que me respeitar.
Mas não é contraditório?
Acho que é mais fácil conquistar e fazer o bolsonarista enxergar a diversidade agindo como eu do que batendo de frente. Deixei a prefeitura com uma aprovação alta. Percebo que as pessoas admiram que eu sou gay, eleito e que estou no PSL. Não me preocupo com o que as pessoas pensam de mim, desde que eu esteja em paz. Consegui conquistar o respeito sem bater de frente. Se eu tivesse saído andando de mão dada, as pessoas iam ficar chocadas. Hoje elas aceitam
Mas o senhor não acha que um partido que atue pela causa não ajudaria na construção do respeito?
O que eu busco no partido não é apoiar a sexualidade. Quero um partido que dê condições de governabilidade, não satisfação social.
O senhor é eleitor do presidente. Não considera que ele tenha uma postura machista, desde antes de ser eleito, e que isso dissemina desrespeito na sociedade?
Já percebeu o comportamento dele enquanto era candidato para agora? A gente já nota uma mudança. Pode ser que seja por interesse político. Mas pode ser que ele esteja refletindo.
Como o senhor enxerga a eleição de candidaturas LGBTI+ nessas eleições?
É um avanço fantástico. Pensei que se eu fosse me candidatar novamente, teria que vir com as pessoas sabendo que eu sou gay. Se não aceitarem, que votassem em outro candidato. Mas as pessoas falam muito da política e às vezes esquecem que a maior dificuldade está na igreja. Ainda somos barrados em muitos lugares por aí. Quando me assumi, deixei de fazer coisas que eu fazia desde sempre na igreja. Não pude mais. Mas a primeira pessoa que me ajudou a aceitar quem eu sou foi Deus. (O Globo)
Paulinho, como é conhecido tem como vice a irmã Cristina. Ele obteve 3.533 votos, contra 2.750 do candidato Nilson Cardoso, que buscava a reeleição. Os irmãos são agropecuarista e produtores rurais com extensa área de terra.
Na condição de família bem situada financeiramente, nos 8 anos em que foi prefeito de Mariluz, Paulinho aplicou todo o salário de prefeito em obras sociais no município de Mariluz. Apesar de possuir grandes posses é uma pessoa popular e muito bem quista na cidade de Mariluz.