O inverno passado no hemisfério Norte foi de intensa circulação de vírus respiratórios, dominado por surtos de vírus sincicial respiratório (VSR), influenza e Covid-19. Mas, quando o cenário começou a melhorar, um vírus pouco conhecido que causa muitos dos mesmos sintomas – como infecção pulmonar inferior, tosse seca, coriza, dor de garganta e febre – ganhou força.
Os casos de metapneumovírus humano, ou MPVh, aumentaram nesta primavera (ao Norte do globo), de acordo com os sistemas de vigilância de vírus respiratórios dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), dos Estados Unidos. Ele encheu as unidades de terapia intensiva de hospitais com crianças pequenas e idosos que são os mais vulneráveis a essas infecções. Em seu pico em meados de março, quase 11% das amostras testadas foram positivas para o vírus, um número cerca de 36% maior do que o pico sazonal médio pré-pandêmico de 7% de positividade nos testes.
No entanto, a maioria das pessoas que contraíram a infecção provavelmente nem soube. Pessoas doentes geralmente não são testadas fora de um hospital ou pronto-socorro. Ao contrário da Covid-19 e da gripe, não há vacina para MPVh ou medicamentos antivirais para o tratamento. Em vez disso, os médicos cuidam de pessoas gravemente doentes buscando aliviar os sintomas.
Uma ameaça subestimada
Estudos mostram que o MPVh causa tanto impacto nos Estados Unidos a cada ano quanto a gripe e um vírus intimamente relacionado, o VSR. Um estudo de amostras de pacientes coletadas ao longo de 25 anos apontou que era a segunda causa mais comum de infecções respiratórias em crianças atrás do VSR.
Um estudo realizado em Nova York durante quatro invernos mostrou que ele era tão comum em idosos hospitalizados quanto o VSR e a gripe. Como essas infecções, o MPVh pode levar a cuidados intensivos e casos fatais de pneumonia em indivíduos mais velhos.
Leigh Davidson contraiu metapneumovírus humano durante uma festa familiar no início de abril. Duas semanas depois, ela tossia tão violentamente que não conseguia falar ao telefone.
“Não consegui pronunciar mais do que algumas palavras”, disse Leigh, 59, advogada de entretenimento em Baltimore. “Eu entrava em uma tosse forte e violenta a ponto de literalmente quase vomitar.”
Sua tosse era tão constante e profunda que ela estava convencida de que finalmente havia contraído o coronavírus depois de conseguir evitá-lo durante a pandemia. Mas ela fez seis testes rápidos para Covid-19, e todos deram negativo.
Leigh é imunocomprometida, então ela tem sido cautelosa durante a pandemia. Preocupada com a pneumonia, ela fez um raio-X em uma clínica de radiologia perto de sua casa e foi informada de que estava tudo bem.
No entanto, seu médico não ficou satisfeito e a encaminhou para uma sala de emergência para mais testes. Os exames de sangue determinaram que ela tinha MPVh.
“Eu estava tipo, ‘o quê?’ Porque parece realmente terrível”, disse Leigh. “Eu nunca ouvi sobre isso.”
O metapneumovírus humano foi descoberto por investigadores de vírus holandeses em 2001. Eles tinham 28 amostras de crianças na Holanda com infecções respiratórias inexplicáveis. Algumas das crianças ficaram muito doentes e precisaram de ventilação mecânica, mas não tiveram resultado positivo para nenhum agente causador de doença, ou patógeno, conhecido.
Os pesquisadores cultivaram as amostras em vários tipos de células de macacos, galinhas e cachorros, e depois analisaram as culturas em um microscópio eletrônico. Eles viram algo que parecia estruturalmente relacionado à família paramyxoviridae, um grupo de vírus conhecido por causar doenças respiratórias como sarampo, caxumba e vírus sincicial respiratório, ou VSR.
Um olhar mais atento aos genes do vírus mostrou um parente próximo: o metapneumovírus aviário, que infecta pássaros. O novo vírus foi apelidado de metapneumovírus humano. Os cientistas acreditam que provavelmente migrou de pássaros para humanos em algum momento e evoluiu a partir daí.
Quando os pesquisadores testaram amostras de sangue de 72 pacientes armazenadas desde 1958, todas mostraram evidências de exposição ao vírus misterioso, indicando que ele circulava em humanos, sem ser detectado, pelo menos no meio século anterior.
Médicos e pacientes no escuro
As infecções respiratórias são a principal causa de morte de crianças em todo o mundo e a principal razão pela qual os pequenos são hospitalizados nos Estados Unidos, mas os cientistas não sabem o que causa uma boa parte delas, diz o médico John Williams, pediatra da Universidade de Pittsburgh, que passou sua carreira estudando vacinas e tratamentos para MPVh.
Williams diz que houve estudos epidemiológicos abrangentes realizados nas décadas de 1950 e 1960, investigando as causas das infecções respiratórias.
“Basicamente, eles só conseguiam identificar um vírus nas pessoas cerca de metade das vezes. E então a pergunta foi: ‘OK, e a outra metade?’”, disse ele. O metapneumovírus humano não é responsável por todos os vírus desconhecidos, mas é uma proporção significativa – quase tantos casos quanto VSR ou influenza.
Mas ninguém sabe disso. Williams o chama de “o vírus mais importante do qual você nunca ouviu falar”.
“Esses são os três principais vírus”, disse ele. “Esses são os três grandes em crianças e adultos, os mais propensos a colocar as pessoas no hospital e causar doenças graves, com maior probabilidade de varrer asilos e deixar os idosos realmente doentes e até mesmo matá-los.”
Como o teste de MPVh raramente é feito fora dos hospitais, é difícil saber a verdadeira carga da doença. Os exames de sangue indicam que a maioria das crianças já teve a infecção aos 5 anos de idade.
Um estudo de 2020, publicado no Lancet Global Health, estimou que entre crianças menores de 5 anos, houve mais de 16 milhões de infecções por MPVh em 2018, mais de 600 mil hospitalizações e mais de 16 mil mortes.
A infecção gera proteção imunológica fraca ou incompleta, no entanto, e os humanos são reinfectados ao longo de suas vidas.
As empresas estão trabalhando em vacinas contra o vírus. A fabricante de vacinas da Covid-19, Moderna, acaba de concluir um estudo inicial de uma vacina de mRNA contra MPVh e parainfluenza, de acordo com o site Clinicaltrials.gov.
O CDC recomenda que os médicos considerem o teste de MPVh no inverno e na primavera, quando o microrganismo tende a atingir o pico.
Os médicos não pedem testes principalmente por falta de conhecimento sobre o vírus, disse Williams, mas também porque um teste provavelmente não mudaria os cuidados que seriam destinados a um paciente. Isso os ajudaria a descartar outras causas que têm tratamentos dedicados, como Covid-19 ou gripe.
Leigh disse que o MPVh levou a um sério ataque de bronquite. Ela foi internada brevemente no hospital para observação. Ela finalmente melhorou, mas ficou doente por um mês.
A advogada já teve infecções respiratórias antes, é claro, mas está particularmente feliz por ter superado o metapneumovírus humano, disse ela – “Isso foi realmente o pior que já vivenciei”, concluiu.
Fonte: Cnn Brasil.