“Ela está com o psicológico muito abalado, não sai de casa, nem para o mercado”. É assim que o encarregado de manutenção José Flávio Sousa, 38, descreve o estado da filha, após a menina fazer um procedimento capilar. A pequena Yasmin, de 9 anos, mora com o pai em Ferraz de Vasconcelos (SP). No dia 17 de julho, ela foi levada por Flávio, em um salão próximo a sua casa, para fazer uma hidratação em seu cabelo cacheado. No entanto, segundo o pai, o resultado não saiu como o esperado.
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“Como conhecia e confiava na cabeleireira, deixei minha filha no salão, mas quando eu voltei ela estava fazendo progressiva na Yasmin, sem a minha autorização. Cheguei a perguntar se daria problema, mas ela disse que era uma progressiva orgânica”, relatou o pai à CRESCER. Flávio conta que não conhece muito sobre procedimentos capilares, mas que pensou que a cabeleireira só passaria um creme no cabelo da filha.
O encarregado de manutenção conta que após dois dias do procedimento, Yasmin começou a ter coceira no cabelo e depois começou a vomitar, além de ficar com o olho inchado. O pai então decidiu levá-la a um posto de saúde, onde a menina foi diagnosticada, a princípio, com uma alergia leve e voltou para a casa. Porém, dias depois, seu estado clínico piorou. “Ela não abria bem os olhos”, lembra o pai. Após ir novamente ao hospital, a pequena precisou ficar internada e foi medicada com antialérgicos e antibióticos. Depois de 12 dias, ela ainda não melhorou e precisou raspar o cabelo para drenar o líquido em sua cabeça, já que ela teve uma infecção grave.
A família suspeita que a cabeleireira tenha usado formol no procedimento. No entanto, segundo o pai, a profissional nega ter usado a substância proibida pela Anvisa para fazer alisamento capilar. O encarregado de manutenção ressalta que a filha só teve contato com o produto usado no salão.
Após passar 28 dias no hospital, Flávio diz que a filha já está se recuperando, porém, sua cabeça está muito sensível. Além disso, seu psicológico está muito abalado. “Fizemos uma vaquinha para ajudar a comprar uma peruca para ela”, afirma o pai. Agora, a família já está colhendo os documentos para entrar com um processo contra o salão. “Não posso deixar para lá isso que aconteceu com a minha filha”, diz o encarregado de manutenção.
Cuidados com procedimentos capilares em crianças
Pode alisar o cabelo da criança com produtos? A resposta para essa pergunta é sempre não! Segundo o site da Anvisa, não existem alisantes capilares destinados ao público infantil. “Os produtos para alisamento capilar são indicados, exclusivamente, para adultos. O uso de alisantes em crianças é proibido”. Quem reforça essa afirmação também é a pediatra Lílian Cristina Moreira, que é membro da Sociedade Brasileira de Pediatria. Ela explica que, em alguns casos, a pessoa, após o uso desses produtos, pode apresentar irritação, coceira no couro cabeludo, queimadura, há possibilidade de haver também um inchaço — resultante do processo alérgico — descamação do couro cabeludo, vermelhidão, queda do cabelo e quebra do cabelo. Além disso, dependendo da quantidade do produto, o processo alérgico pode ser disseminado e fazer uma reação alérgica mais sistêmica, isto é, pode provocar um edema na face e ardência dos olhos. Aspirar esse produto continuamente também pode aumentar os riscos da pessoa desenvolver câncer nas vias aéreas superiores.
A médica explica que no caso da Yasmin pode ter ocorrido uma alergia sistêmica. “Não é uma alergia só local no couro cabeludo, mas uma resposta corporal disseminada”. A especialista também complementa que a pele, apesar de ser uma excelente barreira de proteção, não é perfeita. Assim, há muitos produtos que se forem aplicados na nossa pele podem ser absorvidos e chegar a corrente sanguínea e o formol pode ser um desses produtos.
Segundo Lílian, é preciso ficar atento, pois qualquer tipo de produto químico que entra em contato com uma pessoa pode causar alergia. “Normalmente, pedimos à mãe para fazer o teste cutâneo antes. Sugerimos que se coloque uma pequena quantidade do produto na pele da criança e espere 24 horas para ver se teve alguma reação cutânea local ao produto. Isso, nós fazemos para filtro solar e repelente”, explica a especialista.
Esses cuidados antes da aplicação de produtos são essenciais, pois a criança tem um organismo que ainda está em desenvolvimento, então, é importante poupar a criança da exposição a produtos químicos desnecessários. “Devemos evitar de aplicar qualquer tipo de produto, além do shampoo e do condicionador comum, no couro cabeludo da criança. Na dúvida, antes de qualquer tipo de tratamento, é importante ver se o produto tem o selo da Anvisa e também perguntar para o pediatra se o procedimento é seguro ou não”, diz a médica. Segundo Lílian Cristina, é mais comum que a alergia apareça de forma imediata, porém, pode acontecer de demorar um pouco mais para se manifestar.
Claudia Regina Cachulo Lopes, pediatra e professora do curso de Medicina da Universidade Santo Amaro – Unisa, também reforça que importante ter cuidado com procedimentos capilares, principalmente devido ao risco de alergias. Segundo ela, os pais devem ficar atentos às primeiras manifestações de um quadro alérgico, como coceira, placas avermelhada pelo corpo e mais intensamente dificuldades para respirar — situação que é muito preocupante.
A especialista explica que um quadro alérgico também pode ter uma complicação, que é a evolução para um quadro infeccioso. “Toda vez que eu tenho uma pele que não está saudável, há chances de uma bactéria se aproveitar dessa situação e fazer uma infecção”. Dessa forma, é necessário colocar o dreno para tirar a secreção purulenta que se forma quando há uma infecção.
Após um quadro alérgico, como tratamento, Claudia Regina explica que, geralmente, são receitados antialérgicos e corticoides. A médica ressalta também que é preciso fazer o atendimento de uma criança com alergia rapidamente, pois um quadro alérgico grave pode causar até mesmo o óbito. “É possível ter complicações respiratórias e circulatórias. A pressão arterial cai e é possível acontecer uma parada cardiorespiratória”, explica a especialista.
USO DE FORMOL
Segundo a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), o formol não pode ser utilizado em alisantes de cabelos, pois seu contato com a pele pode causar irritação, queimadura, descamação e até queda de cabelo O site da Anvisa ainda complementa que adicionar formol a esses produtos é infração sanitária (adulteração ou falsificação) e crime hediondo, de acordo com o art. 273 do Código Penal.
A agência de vigilância ressalta que apesar de no Brasil o uso de formol não ser permitido como alisante capilar, 35% dos fiscais de Vigilâncias Sanitárias de estados e municípios que participaram de uma pesquisa da Anvisa sobre este tema, divulgada em 2020, relataram ter constatado o uso irregular de formol em alisantes.
De acordo com a Anvisa, os alisantes são produtos cosméticos que modificam a estrutura química capilar para relaxar, alisar ou ondular os cabelos com duração do efeito após o enxague. “Todos os alisantes capilares, inclusive os importados, devem ser registrados (confira aqui). Alisantes sem registro estão irregulares e podem causar danos à córnea, queimaduras graves no couro cabeludo, quebra dos fios e queda dos cabelos”, diz a agência.
Como posso identificar se um alisante é seguro? A Anvisa recomenda verificar se a embalagem do produto contém o número de Autorização de Funcionamento da Empresa (AFE) e o número do processo, que corresponderá ao número de registro do produto. Fique atento, todos os alisantes capilares, inclusive os importados, devem ser registrados. Alisantes sem registro estão irregulares.
Segundo a agência, produtos sem registro podem causar danos à córnea, queimaduras graves no couro cabeludo, quebra dos fios e queda dos cabelos.
O outro lado
A CRESCER tentou entrar em contato com a cabeleireira, mas ela disse que não iria comentar por telefone. Essa matéria pode ser atualizada a qualquer momento.
Fonte: RevistaCrescer.Globo