O Paraná é o primeiro estado do Brasil a auxiliar a elucidação de crimes de homicídio cometidos com armas de fogo por meio do Sistema Nacional de Análise Balística (SINAB), desenvolvido pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública e implementado em 2022. O programa começou a ser utilizado em fevereiro e em abril os peritos da Polícia Científica do Paraná foram capazes de apontar a conexão entra as armas e as munições usadas em dois crimes ocorridos em Curitiba.
O SINAB permite que peritos cadastrem os elementos de munição (estojos e projéteis) relacionados a crimes para formação do Banco Nacional de Perfis Balísticos (BNPB). O modelo automatizado ajuda a rastrear munições e as correlações com outros casos para saber se a mesma arma foi utilizada em mais crimes. Os equipamentos produzem imagem de alta definição de projéteis e estojos encontrados em locais de crime e vão auxiliar, cada vez mais, a análise manual dos peritos. A lógica é similar ao Banco Nacional de Perfis Genéticos, que tem auxiliado as forças de segurança há mais tempo.
O programa utilizado pelo Paraná também está sendo operado em outros quatro estados (Espírito Santo, Goiás, Pará e Pernambuco) e no Distrito Federal, mas apenas a Polícia Científica local conseguiu resultados concretos, auxiliando a Polícia Civil do Paraná a ter mais assertividade nos indiciamentos. A inspiração da União foi na Bahia, que desenvolveu sistema similar há mais tempo.
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A intenção do governo federal é aumentar a capacidade de identificação e análise do vínculo entre as armas e as munições envolvidas em crimes de homicídio, auxiliando o trabalho de investigação e contribuindo com a elucidação dos casos, um dos grandes gargalos das políticas de segurança pública. A Polícia Federal, também envolvida no projeto, é responsável pela gestão do SINAB e do BNPB, que já conta com 1,5 mil peças de munição coletadas.
Cerca de 77% dos crimes cometidos nas grandes capitais estão relacionados ao tráfico de drogas, segundo o Ministério da Justiça e Segurança Pública e pesquisas como o Atlas da Violência, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). A investigação policial muitas vezes fica refém da prova testemunhal para o indiciamento de um suspeito, que é alguém que viu ou alguma câmera que flagrou. Agora, com o novo sistema, será possível apresentar provas materiais, periciadas e irrefutáveis, que colaboram para a decisão judicial dos casos.
GRANDES CASOS – As munições e armas identificadas pela Polícia Científica do Paraná foram utilizadas, nos dois casos, em crimes que tiveram bastante repercussão. Peritos especializados em confronto balístico identificaram a materialidade do crime a partir das armas usadas nas cenas, o que, consequentemente, facilitou a investigação criminal.
Um dos casos está relacionado a uma chacina, ocorrida em fevereiro deste ano, no bairro Portão, na Capital. Sete pessoas estavam dentro de um carro e foram baleadas. Toda a ação foi capturada por câmeras de segurança da região. Dois adultos e duas crianças foram mortas durante a execução e cinco pessoas foram presas relacionados ao caso na ocasião. O material coletado foi periciado e cadastrado no SINAB.
A arma utilizada neste crime apareceu um dia depois. Ela foi apreendida após uma perseguição da Polícia Rodoviária Federal (PRF) de Santa Catarina em um caso distinto. Um menor foi apreendido e um homem escapou na ocasião, mas ambos foram detidos na sequência após a emissão de mandados de prisão. A análise balística corroborou a participação deles. Agora, sete criminosos estão presos por essa chacina e a autoria será indicada no processo que corre junto ao Poder Judiciário.
Além deste caso, foi possível identificar que essa mesma arma também foi usada em outro homicídio, em setembro de 2021, na Vila Torres.
O outro caso que teve identificação positiva entre a arma e os elementos da munição aconteceu em março de 2021. O caso está relacionado com a execução de um homem no bairro Boqueirão, em Curitiba. Graças ao sistema e ao trabalho dos peritos foi possível identificar qual arma foi usada na execução. A Polícia Civil continua investigando esse crime. Uma pessoa já foi presa.
“As provas técnicas produzidas a partir do perfil nacional balístico são o futuro da investigação no Brasil”, afirma a delegada-chefe da Delegacia de Homicídios e de Proteção à Pessoa (DHPP), da Polícia Civil do Paraná, Camila Cecconello, responsável pela investigação dos dois casos.
“Nos homicídios do contexto do tráfico de drogas as testemunhas muitas vezes vivem em comunidades controlada pelo tráfico. Elas ficam com muito medo de prestar declarações sobre o que elas sabem ou viram a respeito de determinado homicídio. Muitas vezes as testemunhas acabam mudando os seus depoimentos na fase judicial por medo de represália e o Banco Nacional de Perfil Balístico ajuda a corrigir esse problema. Teremos cada vez mais provas técnicas da arma utilizada no crime, o que ajuda a chegar até o mandante ou executor”, complementa a delegada.
CIÊNCIA FORENSE – A equipe técnica paranaense é coordenada pelo perito criminal Francisco da Silva Martins. Ele explica que tudo começa na coleta, que deve ser feita com cautela. Aí o material passa pela análise microscópica e vai para o banco de dados federal. A arma e a munição passam pela triagem do sistema, que pode sugerir compatibilidade entre os elementos de prova (o chamado match).
Em caso positivo, os peritos confirmam se a arma está relacionada a um determinado crime (homicídio ou roubo), ou se diversos crimes foram cometidos com a participação de uma mesma arma de fogo. Só então o material é laudado e enviado para a Polícia Civil.
“A atuação da Polícia Científica deixa de ser reativa, ou seja, dependente da provocação da Polícia Civil em uma investigação, passando a ter uma atuação muito ativa”, afirma Martins .
O perito alerta, no entanto, que o equipamento não dispensa a participação de pessoal capacitado. “É um equipamento que exige uma análise prévia do material recolhido em local de crime, ou necropsia, e de uma análise posterior. Só esse laudo pode confirmar as informações trazidas pelo equipamento”, reforça.
“É sem sombra de dúvidas mais um avanço significativo na estrutura da Polícia Científica, que tem, em seu alicerce, servidores comprometidos na busca pela verdade e justiça pela ciência. Essa reestruturação vai dinamizar e modernizar processos, bem como acelerar as respostas prestadas a toda a sociedade”, completa o diretor-geral da Polícia Científica do Paraná, Luiz Rodrigo Grochocki.
PERÍCIA INÉDITA – Esse novo sistema também vai auxiliar em outra apuração de grande repercussão no Paraná. As armas aprendidas pelas forças de segurança na tentativa de assalto que ocorreu na cidade de Guarapuava, no mês passado, também estão sendo periciadas e as análises serão encaminhadas ao SINAB.
Eram várias armas de grosso calibre, entre elas .50 BMG, de uso exclusivo das Forças Armadas. Esta é a primeira vez que peritos criminais do Paraná fazem a coleta e a análise científica dos projéteis deste calibre. Esse processo ainda está em andamento.