Maurício Hernandez Norambuena, o chileno por trás do sequestro de Washington Olivetto, processou o Brasil por ter ficado muito tempo em regime de prisão mais rígido. O caso avançou para a Corte Interamericana de Direitos Humanos.
Os defensores do chileno Maurício Hernandez Norambuena, ex-guerrilheiro que planejou o sequestro do publicitário Washington Olivetto, entregam na segunda-feira (22) um conjunto de documentos para tentar convencer a Corte Interamericana de Direitos Humanos de que o Brasil violou os direitos humanos ao mantê-lo preso no Regime Disciplinar Diferenciado – ou seja, a prisão solitária.
As defensorias públicas de São Paulo e da União concordam com a avaliação, e apostam numa decisão favorável a Norambuena para tentar mudar esse modelo de detenção.
Esse caso começou em 11 de dezembro de 2001. Naquela noite, o carro que levava o publicitário Washington Olivetto para casa, no bairro de Higienópolis, em São Paulo, passou por uma falsa blitz da Polícia Federal. Disfarçados com coletes de agentes policiais, homens pararam o veículo, agrediram o motorista de Olivetto, tiraram o publicitário do automóvel e o levaram para um outro carro.
Olivetto ficou mais de 50 dias em cativeiro. Ele foi libertado em fevereiro do ano seguinte.
O caso foi solucionado pela polícia, que prendeu seis sequestradores e libertou o refém do cativeiro onde estava, em um outro bairro de São Paulo, o Brooklyn.
O mentor do crime foi o chileno Norambuena, um ex-guerrilheiro que havia fugido de helicóptero de uma prisão na capital do país dele, Santiago.
Nos anos seguintes, esse crime teve consequências para a vítima, para os sequestradores e para o sistema prisional brasileiro.
Agora, em 2023, há mais um desdobramento dessa história que pode implicar mais consequências para o Brasil, mesmo com Norambuena longe do país há quatro anos.
O ex-guerrilheiro, extraditado para o Chile em 2019, processou o Brasil na Comissão Interamericana de Direitos Humanos. E, em 30 de novembro de 2022, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos decidiu que o processo era admissível –ou seja, para a comissão, preencheu os requisitos para avançar.
Depois de passar pela comissão, o caso avançou para uma segunda fase, essa na Corte Interamericana de Direitos Humanos. Seis juízes vão decidir se o Brasil violou direitos humanos ao manter Norambuena em um regime de prisão mais rígido, o Regime Disciplinar Diferenciado (RDD) por cinco anos, e se o país deve pagar dinheiro a Norambuena e à família dele a título de reparação –essa foi, inclusive, uma das recomendações da Comissão.
Além disso, a Corte Interamericana de Direitos Humanos também pode determinar que o RDD é incompatível com as condições de tratamento digno estabelecidas em acordos internacionais dos quais o Brasil é signatário.
A história de Norambuena
Antes de participar do sequestro em São Paulo, Norambuena já era figura conhecida no Chile.
Originalmente, ele era um professor de educação física, mas depois se tornou o chefe de um grupo de guerrilheiros contrários à ditadura de Augusto Pinochet.
Ele foi condenado no Chile pelo assassinato de um senador e pelo sequestro de um empresário da família dona de um dos maiores jornais do país, o “El Mercúrio”. O dono do jornal ficou cinco meses no cativeiro. Esses dois crimes aconteceram em 1991.
Norambuena foi preso no Chile, mas em 1996, conseguiu escapar de um presídio de segurança máxima na cidade de Santiago –no país, essa é a “Fuga do Século”: teria sido planejada com maquetes e foi usado um helicóptero para a ação.
Sequestro no Brasil
O publicitário brasileiro ficou 53 dias em cativeiro. Os sequestradores queriam um resgate de R$ 10 milhões, que nunca foi pago.
A polícia conseguiu descobrir uma chácara na cidade de Serra Negra onde os sequestradores se reuniam. Os agentes foram até lá e prenderam seis pessoas, Norambuena entre elas. O refém, no entanto, não estava lá.
Norambuena então fez um acordo com a polícia. Uma nota no site do governo de São Paulo descreve a ação: segundo os interrogatórios, o chileno facilitou a liberação de Washington Olivetto.
O sequestrador fez contato com os encarregados do cativeiro de um telefone público e avisou o grupo que estava preso. Os comparsas dele, então, abandonaram o local.
O Regime Disciplinar Diferenciado
O RDD é o regime mais rígido do sistema penitenciário brasileiro. O preso fica trancado 22 horas por dia em uma cela individual, monitorada por câmera, sem contato com visitantes.
O chileno ficou nesse regime durante cinco anos, de fevereiro de 2002 até fevereiro de 2007.
Depois disso, ele foi transferido para o sistema penitenciário federal. Ele passou por prisões nas seguintes cidades:
- Catanduvas (Paraná)
- Campo Grande (Mato Groso do Sul)
- Porto Velho (Rondônia)
- Mossoró (Rio Grande do Norte)
Os presídios federais têm regimes mais severos que a maioria dos presídios estaduais.
Como as condições do sistema federal são mais severas, ele diz que o cliente ficou quase 17 anos em isolamento. “Esse tempo é incompatível com a legislação internacional. Esse regime aumenta o número de suicídios e de pessoas com transtornos, e o Norambuena ficou com sequelas, é um dano insanável”, afirma o advogado.
Carmo diz também que isolamento no Brasil não é compatível com as Regras de Mandela, uma série de determinações de como deve ser a prisão e das quais o país é signatário.
Durante o cumprimento de sua pena, Norambuena esteve na mesma cadeia que o líder de uma facção que atua em presídios de São Paulo.
A extradição para o Chile
Preso no Brasil, Norambuena também tinha condenações no Chile. Em agosto de 2019, ele foi extraditado.
Então com 61 anos, ele foi levado para a mesma prisão de alta segurança de Santiago da qual ele fugiu de helicóptero em 1996.
O advogado de Norambuena afirma que o tempo que ele ficou preso no Brasil não foi contabilizado de maneira correta para calcular qual é a pena que ele deve cumprir no Chile.
Esse será um dos pedidos que Carmo fará na Corte Interamericana de Direitos Humanos.
O processo contra o Brasil
Os processos nesse tribunal têm duas fases, a primeira, na Comissão, já passou. Norambuena foi vitorioso, pois a comissão considerou o caso admissível. Agora, o caso está na Corte.
O advogado que representa Norambuena e a Defensoria Pública, que entrou no caso como terceira parte interessada no caso, protocolaram todo o material na Corte Interamericana de Direitos Humanos, na cidade de São José, na Costa Rica.
No material constam as seguintes partes:
- Pedidos.
- Argumentos.
- Provas.
A defensora Geovanna Ribeiro de Oliveira, coordenadora substituta da coordenação de apoio à atuação no Sistema Interamericano de Direitos Humanos, explica o que acontece depois disso.
Haverá uma oportunidade para o Estado do Brasil contestar esses argumentos e provas.
Quem defende o Brasil é a Advocacia Geral da União (AGU). A AGU só será citada depois que o material dos representantes de Norambuena for entregue, mas, em e-mail ao g1, a AGU disse que já identificou que o caso está tramitando na Corte.
O passo seguinte, então, será uma audiência pública sobre o caso seguida de alegações finais.
Os juízes vão dar uma sentença, que é definitiva e inapelável. A defensora Ribeiro de Oliveira diz que a Corte, então, vai se pronunciar sobre a responsabilização do Estado e reparações devidas à vítima. Dependendo do caso, a Corte pode determinar que o Brasil pague reparações à coletividade ou a prorrogar alguma lei que ela entende contrária da Convenção Americana de Direitos Humanos —por exemplo, a lei do Regime Disciplinar Diferenciado.
“Em tese, todas as sentenças são obrigatórias para o Estado brasileiro, mas de um ponto de vista prático, é mais uma pressão política do que jurídica, porque não existe medida coercitiva”, afirma Ribeiro de Oliveira.
Além disso, ela diz, o processo pode se prolongar. “Todo o procedimento pode demorar anos para chegar a uma sentença. Isso porque existem algumas partes do regulamento que possibilitam extensão de prazos. Não há uma data certa para a sentença sair”.
Fonte: G1.